Macron e as coabitações

A Europa celebra, e com razão, a vitória de Emmanuel Macron

Ao derrotar Marine Le Pen, os franceses deram uma enorme lição de cidadania ao mundo, ao erguer, mais uma vez um forte “cordon sanitaire” para impedir a chegada da extrema-direita francesa ao poder. Com 74% de participação eleitoral, estão por isso de parabéns todos os que votaram Macron, para que este conseguisse aumentar a sua margem de vitória de 24% dos votos na primeira volta para 65% na segunda.

Agora, para governar eficazmente, mais do que representar uma escolha negativa, (o mal menor) Macron terá o grande desafio que é o de conseguir unir as forças políticas que o apoiaram a favor de um projecto de reformas tanto a nível interno como da União Europeia. O voto de ontem em Macron juntou apoiantes de Hamon, Fillon e Mélenchon na primeira volta, que tapando o nariz, votaram no candidato independente.

A polarização demonstrada entre candidatos na primeira volta das presidenciais mostra o grau de dificuldade que significa conseguir integrar estas forças políticas numa coligação propositiva. Em que medida é que as instituições francesas, e em particular o sistema político semi-presidencial francês vai agora ajudar a esta consolidação do poder de Macron? Há sinais preocupantes, seja por razões da dinâmica do sistema político, seja por razões de desgaste institucional. Recordemos que Hollande também foi eleito com o mandato de reformar a Europa contra o austeritarismo de Merkel-Schauble, e acabou perfeitamente sozinho com 4% de popularidade e sem reformas Europeias à vista. Para lá dos tiros nos pés do infeliz Hollande, existem, parece-me, algumas razões estruturais que condicionam o Presidente francês hoje e que temos de ter em conta.

Do ponto de vista da dinâmica do sistema político, o principal problema é que o Presidente é tão forte quanto o apoio que tiver no Parlamento.

Senão vejamos: a V República, criada no seu formato actual em 1958 pelo General de Gaulle, foi durante décadas apontada como um exemplo do sucesso da engenharia institucional na Europa.  Isto é, da capacidade de desenhar um sistema político que permitisse garantir a estabilidade governativa e ao mesmo tempo a representatividade de todos franceses – num país que era visto quase como ingovernável. A ingovernabilidade fica demonstrada com o número de executivos que houve na IV República (1946-58), a saber: 21 governos em 12 anos. Foi de Gaulle que redesenhou o sistema político, por forma a criar um sistema político de liderança executiva bicéfala, onde um Presidente e um Primeiro-Ministro partilhavam poderes executivos, e eleições legislativas. O sistema ficou tal como ele e hoje quando, a partir de 1962, se estabeleceu a eleição directa do Presidente da República.

De 1958 a 1986, todos os presidentes franceses dominaram o jogo político, pois conseguiram sempre maiorias absolutas na Assembleia Nacional. Isso terminou com o primeiro período de coabitação entre o Presidente Mitterrand, que perdeu a sua maioria absoluta no Parlamento, para a direita. Com a coabitação, Chirac enquanto Primeiro-Ministro tornou-se no verdadeiro chefe do executivo, tendo o Presidente assumido um papel consideravelmente menor no processo político, tendo até deixado de presidir ao Conselhos de Ministros. A coabitação veio demonstrar que o poder do Presidente francês, mais do que dos poderes que a Constituição lhe dava, dependia essencialmente da força que tinha o seu partido no Parlamento. É aqui que se torna evidente a importância do que se vai jogar agora no mês que falta para as eleições legislativas que vão selar a eficácia de Macron nos próximos tempos, pelo menos a nível interno. Sem maioria na Assembleia Nacional, Macron fica condenado a coligações de opostos ou mesmo à coabitação.

Do ponto de vista do desgaste institucional, também existem alguns sinais do enfraquecimento do papel do Presidente. Em 2012, Nicolas Sarkozy foi o primeiro Presidente em funções a não conseguir garantir a re-eleição, tendo sido derrotado por François Hollande na segunda volta das eleições. Já em meados de 2016, com 4% de popularidade nas sondagens, Hollande decidiu que nem valia a pena ir a votos. Portanto, por diferentes razões, os dois últimos presidentes apenas cumpriram um mandato, sendo os únicos a fazê-lo na já considerável história da V República francesa, com excepção de Giscard d’Estaing (1974-1981). Além disso, ontem, Macron foi eleito com o nível de participação eleitoral mais baixo desde 1969. O sentimento de “déclin existentiel” que existe em França está, por sua vez, intimamente ligado às percepções que se têm sobre a capacidade do Presidente francês influenciar ou não o processo de integração europeia. Para além da coabitação parlamentar que por vezes diminui o Presidente francês, a “coabitação” europeia tem vindo, nas ultimas décadas, a contribuir para uma desafeição em relação às instituições e ao Presidente.

Hoje é dia de celebração, pois, mais uma vez, a extrema-direita foi derrotada numa eleição. Mas o próximo mês vai ser decisivo para se perceber se esta vitória se consegue realmente transformar num verdadeiro projecto político.

 

O Institute of Public Policy (IPP) é um think tank académico, independente e apartidário. As opiniões aqui expressas vinculam somente os autores e não refletem necessariamente as posições do IPP, da Universidade de Lisboa, ou de qualquer outra instituição

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