Ir a Fátima e mostrar muito para além dela

Um livro e uma exposição revelam o olhar do repórter António Pedro Ferreira sobre Fátima, “um espaço difícil de fotografar”. São quase 40 anos de viagens, que começaram em 1979, quando Portugal era “um país mais fotogénico”.

Fotogaleria
Maio de 1981 António Pedro Ferreira
Fotogaleria
Outubro de 1979 António Pedro Ferreira
Fotogaleria
Outubro de 1979 António Pedro Ferreira
Fotogaleria
Maio de 1981 António Pedro Ferreira
Fotogaleria
Maio de 1981 António Pedro Ferreira
Fotogaleria
Maio de 1984 António Pedro Ferreira
Fotogaleria
Maio de 1984 António Pedro Ferreira
Fotogaleria
Outubro de 1979 António Pedro Ferreira
Fotogaleria
Outubro de 1979 António Pedro Ferreira
Fotogaleria
Maio de 2003 António Pedro Ferreira
Fotogaleria
Maio de 1981 António Pedro Ferreira
Fotogaleria
Maio de 1981 António Pedro Ferreira

Luís Carvalho já tinha carta de condução e garantiu a viagem num Citroën Dyane. António Pedro Ferreira tinha uma mãe que preparava bons farnéis, com sandes de queijo, ovo e frango embrulhadas em folha de prata. E etiquetas que ajudaram a racionar a comida para uma estadia de dois dias. Corria 1979, dois amigos, urbanos e unidos pela fotografia, meteram-se à estrada rumo a Fátima motivados pela curiosidade de um lugar onde desfilava “um mundo rural” que nenhum deles conhecia bem. Dessa primeira “viagem fotográfica” ao santuário (e ao que o rodeava), António Pedro Ferreira, repórter do semanário Expresso, escolheu treze fotografias para o livro Fátima – 1979-2016, que acaba de ser publicado e que reúne o essencial do seu trabalho sobre um lugar a que foi regressando. É o ano com melhor rácio de imagens na obra entre todos os que visitou Fátima, facto que o fotógrafo explica com a (sua) sensação de que o país seria “mais fotogénico naquela altura”. É uma justificação humilde e que pode esconder outra, igualmente subjectiva: a de que estamos perante uma das melhores abordagens fotográficas que se fizeram em Portugal às romarias marianas e à mística em torno da crença nas aparições.

A qualidade desse olhar “fresco” de António Pedro Ferreira foi logo reconhecida por Sebastião Salgado, em 1980, quando o fotógrafo português lhe mostrou este trabalho em Paris. Salgado parou numa das fotografias que abre agora o livro de Ferreira, aquela que mostra dois homens a olhar em direcções opostas e um rapaz com os olhos postos no chão de terra batida. “Ele ficou fascinado com esta imagem, virou-se para mim e disse-me ‘Você é bom fotógrafo’. Isto para um miúdo de 23 anos era… o Sebastião Salgado já estava na [cooperativa de fotografia] Magnum…”

As primeiras fotografias do livro de António Pedro Ferreira estão mais centradas no frenesi que envolve o santuário, têm pouco da religiosidade directamente ligada a Fátima e estão mais próximas da dinâmica dos devotos, de algum humor (pouco), da circunspecção e da reserva tristonha que lhe vem estampada nos rostos, uma expressão que surge como imagem de marca de um tempo. “Fátima já está muito longe deste mundo. Hoje é quase impossível captar um peregrino sem um colete reflector e uns sapatos de ténis. O país mudou muito. Basta olhar para o vestuário, para os rostos… os jovens já são todos urbanos, mesmo quando vêm de uma ruralidade profunda. Acho que este livro também é uma demonstração de como Portugal mudou em 40 anos.”

Em conversa com o P2, o fotógrafo lembra 1979 e o momento em que, depois de se separar de Luís Carvalho (havia que garantir que não fotografavam a mesma coisa), ter começado a atravessar campos com o olhar atraído “pelas pessoas e por elementos gráficos” que iam passando à sua frente. Nessa progressão foi-se apercebendo “que emanava dali um ambiente místico”, como o que encontra na fotografia que espantou Salgado: “Parece-me que tem transcendência, que tem essa capacidade de uma imagem fotográfica não ser aquilo que é. De ser outra coisa.”

Para este livro, António Pedro Ferreira foi obrigado a remexer nos arquivos, exercício que não lhe agrada particularmente. “Não gosto de voltar sempre às mesmas coisas, é penoso. Há fotografias minhas que já não sei se são boas ou se sou eu que gosto delas. É muito difícil manter uma distância crítica em relação ao nosso trabalho.” Mas teve surpresas, descobriu imagens novas e imprimiu outras pela primeira vez. Contas feitas, “cerca de 90% das fotografias do livro” nunca tinham sido mostradas. E descobrir novas fotografias de Fátima não é tão fácil quanto possa parecer. “É um espaço difícil de fotografar. Tem menos de um quilómetro quadrado, mas o que lá acontece é tão variado, tão rico em termos de sentimentos que… lembro-me de chorar lá, é muito intenso. E isto para um não-crente, como eu, não deixa de ser extraordinário.”

Para além deste livro, as fotografias de António Pedro Ferreira sobre Fátima serão mostradas numa exposição n’A Pequena Galeria, em Lisboa, a partir do dia 11 de Maio.

Sugerir correcção
Comentar