O eixo Lisboa-Berkeley e a liberdade de expressão

Transformar as universidades em campos de batalha?

Ann Coulter é uma das estrelas da direita radical norte-americana que anima a vida política daquele país. Jurista, comentadora na comunicação social, autora de obras como In Trump We Trust, Godless: The Church of Liberals ou Adios America, apoiante do novo Presidente, expressando publicamente de forma assertiva as suas posições antiaborto e anti-imigração, Ann Coulter dá, também, conferências pelos EUA fora, a convite de organizações conservadoras.

Na passada quinta-feira, Coulter iria proferir uma conferência na Universidade de Berkeley, famosa por aí se terem desenrolado, nos anos 60 do século passado, diversas batalhas na luta pela afirmação dos direitos civis. Mas a conferência foi cancelada e os movimentos de direita, que a tinham convidado e que a apoiavam, bem como a própria conferencista, denunciaram publicamente, com grande impacto mediático, a censura de que tinha sido alvo e que a impedia de falar num local que deveria ser um templo da liberdade de expressão.

Na verdade, movimentos anarquistas, que já tinham conseguido que fosse retirado o convite da universidade ao provocador de extrema-direita Milo Yannopoulos, particularmente famoso por ter defendido a pedofilia e promovido, no Twitter, ataques racistas à actriz Leslie Jones, ameaçaram boicotar a conferência, o que levou a que, pelo seu lado, elementos de milícias da extrema-direita respondessem com a promessa que estariam presentes devidamente apetrechados. O ambiente prometia, até porque, aquando da projectada/cancelada conferência de Milo Yannopoulos, os confrontos tinham sido muito violentos com prisões, feridos, incêndios e destruição de instalações.

Os responsáveis vieram explicar que a Universidade de Berkeley tinha dois compromissos não negociáveis: com a liberdade de expressão e com a segurança no campus universitário. Ora, os responsáveis policiais do campus tinham avisado que era muito grande o risco de, em vez de uma conferência, se vir a estar na presença de um campo de batalha e daí o adiamento. De resto, os responsáveis chamaram a atenção para o facto de o local para a conferência não ter sido solicitado com a antecedência habitual, tendo os organizadores/apoiantes de Coulter procurado criar um facto consumado. E acrescentaram que a conferência não tinha sido cancelada mas tão-somente adiada e sugerida a sua realização numa data posterior, permitindo que a mesma pudesse ser realizada de forma segura.

Mas da parte dos apoiantes de Ann Coulter, esta rapidamente foi convertida numa vítima, em mais um gritante exemplo do desprezo da esquerda pela liberdade de expressão quando estão em causa opiniões conservadoras. E anunciaram ter apresentado uma providência cautelar para que Ann Coulter pudesse falar na universidade na data marcada. Surgiram numerosos apoiantes liberais em defesa do direito a falar em Berkeley de Ann Coulter, desde o candidato a candidato presidencial democrata, Bernie Sanders, até à cantora Joan Baez, que participara nas lutas pela liberdade de expressão em Berkeley há 50 anos, destacando ambos a enorme distância que os separava da radical conferencista e, ao mesmo tempo, a enorme importância de aquela poder exprimir livremente as suas opiniões. A conferência não se realizou.

Parece tal e qual o que se passou cá na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa, em Março, quando uns jovens ligados a um movimento da nossa direita radical decidiram organizar uma conferência e convidaram para orador Jaime Nogueira Pinto. E, os princípios em causa, lá como cá, são os mesmos: a liberdade de expressão não vale só para os que nos são agradáveis mas, pelo contrário, vale e protege sobretudo aqueles que nos são desagradáveis e esta defesa da tolerância expressiva não deve ser posta em causa ou esquecida só por receio das suas eventuais consequências, mais ou menos desagradáveis. Só quando as palavras proferidas criarem um risco real e iminente de acções criminosas se poderá admitir que as mesmas possam e devam ser proibidas. Seria esse o caso na Universidade Nova? A polémica foi grande...

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