Bairro Alto: a noite lisboeta já cá está há 200 anos e vai continuar

Foram chegando ao Bairro Alto e ali se instalaram. As gentes do mar vieram para ficar e os nobres fugiram. Depois chegou o fadista, a prostituta e o jornalista. Promoveram a agitação nocturna e a partir daí nunca mais parou

Além das três personagens, os teatros também deram muita vida nocturna do Bairro Alto Pedro Cunha
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Além das três personagens, os teatros também deram muita vida nocturna do Bairro Alto Pedro Cunha
Os principais impulsionadores do movimento noctívago foram o fadista, a prostituta e o jornalista Miguel Teixeira/Flickr
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Os principais impulsionadores do movimento noctívago foram o fadista, a prostituta e o jornalista Miguel Teixeira/Flickr

A vida boémia no Bairro Alto não é de agora. Foi há mais de 200 anos que o bairro lisboeta começou a dar os primeiros passos na agitação da vida nocturna. Os principais impulsionadores do movimento noctívago foram o fadista, a prostituta e o jornalista. Mas já lá vamos.

O Bairro Alto foi construído no século XVI. O rei D. Manuel I teve de “pôr mãos à obra” e planificar um projecto urbano que desse casa à população que não parava de aumentar na era dos Descobrimentos. A cerca medieval fernandina foi ultrapassada e a parte sul do bairro, a chamada Vila Nova de Andrade, foi a primeira a ser edificada.

A vinda dos jesuítas para a Igreja de São Roque, uma das primeiras igrejas da Companhia de Jesus no mundo, fez a zona norte do bairro ganhar forma no final do século XVI. Os nobres aproveitaram a boleia e instalaram-se na mesma área. A parte mais ventilada do bairro, conhecida por Bairro Alto de São Roque, passou a ser frequentada pelas classes mais altas e a parte sul por todo o tipo de gente, dos artífices aos pescadores.

A historiadora Rosa Fina estudou a transformação da noite lisboeta entre os séculos XVIII e XIX e durante a conferência que deu no ciclo de palestras sobre “Novos estudos & novos olhares sobre a cidade: Lisboa do Terramoto à Revolução de Abril”, citou Baltasar Teles, historiador e filósofo português do século XVII: “Nesta nova cidade edificada, os cerrados desabitados se mudaram em edifícios grandiosos, cheios de gente nobre e de fidalgos ilustres; os valados toscos se trocaram em fermosas ruas; o campo se fez cidade; o monte se converteu em corte; e o sítio deserto se viu mudado em uma copiosa povoação”. Baltasar Teles refere-se essencialmente à parte norte do bairro, que hoje em dia, é o que representa a zona da Travessa da Queimada para cima.

O bairro era um exemplo notável de uma nova urbanização. Estamos no século XVII. As ruas largas e perpendiculares e as fachadas ordenadas e regularizadas nunca antes vistas deslumbravam e enchiam as medidas a quem lá passava.

Contudo, o cenário mudou no século XVIII, mais precisamente em Novembro de 1755. O terramoto aterrorizou a nobreza que, amedrontada, vendeu, arrendou e abandonou as suas casas para fugir em direcção à zona ocidental da cidade. Embora o Bairro Alto tenha sido muito pouco afectado pelo sismo, esta classe quis ir ao encontro da família real. A zona nobre do bairro foi gradualmente deixando de o ser. As classes mais baixas foram-se apoderando e passaram a dominá-la.

Mas o aparecimento de um triângulo social, que predominou principalmente na segunda metade do século XIX, veio dar ao bairro a dinâmica que precisava e tornou-o, até hoje, no centro boémio da capital.

Muito longe da imagem que hoje associamos ao fadista, este era uma figura temida mas também central nesta mudança. Sempre com uma guitarra e a “fazer chinfrim”, era um insulto à ordem e aos bons costumes, que todos temiam e até os polícias ignoravam os seus distúrbios para com eles não se envolverem. “Na imprensa da altura, há sempre um fadista com uma navalha envolvido em qualquer coisa com muito sangue”, conta a historiadora Rosa Fina. Com uma presença muito forte e territorial, o fadista pertencia às classes mais pobres do bairro e estava “frequentemente envolvido em redes de prostituição, roubos e assassinato”, acrescenta a historiadora.

Outra figura essencial para a construção da boémia nocturna do bairro foi a do jornalista. Em meados do século XIX, dezenas de jornais e tipografias ocuparam a zona das cavalariças e cocheiras de casas apalaçadas das famílias que fugiram no século XVIII, visto que “eram adaptáveis às máquinas que eram necessárias para estes profissionais”, explica Rosa Fina. A dinâmica nocturna da realização e impressão do jornal trouxe uma nova vida ao bairro, tendo também surgido tabernas e cafés para discussões entre reitores, políticos e críticos, que para ali foram atraídos pelos jornalistas e tipógrafos.

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