Debater ou não com a extrema-direita, eis a questão

Marine Le Pen não pode ser subestimada. E não deve ser deixada a falar sozinha.

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Há 15 anos, na clássica segunda volta das presidenciais francesas, Jacques Chirac recusou debater com Jean-Marie Le Pen na televisão. “Não era possível” ter uma “coisa a que se chamasse debate” — um “debate de ideias merecedor da democracia [francesa]” — com “um homem como Le Pen”.

Le Pen tinha acabado de bater o socialista Lionel Jospin na primeira volta por apenas 195 mil votos, mas tinha um tal radicalismo ideológico que, mais tarde, recebeu o rótulo de “sr. Pormenor” (por ter dito que as câmaras de gás nazis “são um pormenor da II Guerra Mundial”) e foi suspenso do partido que ele próprio fundara. Estávamos em 2002 e Chirac podia ignorar o líder da Frente Nacional, cuja mulher posara seminua para a Playboy.

Em 2017, a filha, Marine Le Pen, não pode ser ignorada. Teve 7,7 milhões de votos, menos um milhão do que Emmanuel Macron. Tal como o pai, conseguiu passar à segunda volta, depois de uma cosmética de “normalização” da Frente Nacional, que camufla as ideias racistas com uma retórica de crítica à União Europeia, à desigualdade e à globalização.

O debate desta quarta-feira mostrou que Chirac tinha razão. É de facto impossível ter um debate sério com a extrema-direita. Mas mostrou que hoje Le Pen não pode ser deixada a falar sozinha.

Segundo o Le Monde, a candidata disse 19 mentiras em pouco mais de duas horas. Uma delas foi dizer que a economia do Reino Unido está melhor desde que o país “decidiu recuperar a sua liberdade”, tentando assim tranquilizar os franceses em relação à ideia de um hipotético “Frexit” (é verdade que o PIB britânico cresceu 2% em 2016, mas o referendo foi em Junho e o Artigo 50.º só foi activado no fim de Março de 2017). Outra foi dizer que “o euro teve consequências muito pesadas sobre o poder de compra francês: a sua entrada em vigor provocou um aumento espectacular dos preços” (é verdade que os preços aumentaram de forma regular desde 2000, “mas quando se olha para a curva num período mais longo, desde 1990, percebemos que é quase linear e que a introdução do euro não constituiu uma ruptura”).

O debate foi de uma violência nunca vista em França. Le Pen queria destacar-se e conseguiu. Inundou o tempo com invectivas, insinuações e insultos, anulando a estratégia de “desdiabolização” dos últimos dois anos. Focou-se em destruir Macron, não em passar a mensagem do partido. Lançado o caos, passou duas horas e meia a acicatá-lo.

Foi com certeza deliberado. Ao contrário de Macron, olhou para as suas notas vezes sem conta, escolhendo o novo golpe a desferir. Mas a estratégia vai ajudar Macron. Foi por tentar “normalizar” o partido que Le Pen cresceu. Ao deixar cair a máscara, afastou os que, na direita clássica, ponderavam dar-lhe o voto. O pai não ajudou. Disse que ela não tem “pose presidencial”.

Le Pen não estava interessada em debater. Mas estes debates não existem para os candidatos se persuadirem um ao outro. O propósito é seduzir eleitores. Pelo que dizem e pelo modo como o fazem. E, aí, com o seu estilo arruaceiro o tiro vai sair-lhe pela culatra.

Sim, temos de debater com a extrema-direita. Pô-los de parte dá-lhes força e argumentos. Não foi a recusa de debates que impediu a Frente Nacional de crescer. Debater não legitima a extrema-direita. Debater é pedagógico e uma forma de vigilância democrática. E ajuda a expor as fraquezas e a evidenciar as diferenças.

Consciente disso, Macron agradeceu-lhe. Não é a candidata da “finesse”, disse com um sorriso irónico. “E é incapaz de um debate democrático.” “Obrigado pela demonstração que fez, Madame Le Pen.”

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