A ilusão do 1.º de Maio

Depois disto virão as negociações sobre as reformas antecipadas. Depois sobre as carreiras. Depois sobre a contratação colectiva. E ainda sobre a legislação laboral.

Este compromisso de esquerda não é um quebra-cabeças só para a direita. Até para os sindicatos é igual. Se dúvidas houvesse, bastava registar o que disse o secretário-geral da UGT neste 1.º de Maio e comparar com o que o mesmo Carlos Silva tinha dito há poucos meses, numa entrevista ao PÚBLICO e à Renascença.

De Janeiro para Maio, são 180 graus de distância: antes não havia a certeza de que houvesse condições para subir o salário mínimo no próximo ano; agora, é imprescindível esse salário mínimo por inteiro, assim como as mudanças na contratação colectiva, os novos escalões de IRS e, de caminho, aumentos reais para a função pública: “Nós não aceitamos que só haja aumentos salariais em 2020. Dez anos sem aumentos salariais é uma barbaridade e, acima de tudo, uma grande injustiça, que leva os trabalhadores da administração pública à indignação. E, se tiverem de ir para a greve, nós acompanharemos e estaremos lá.”

O problema de Carlos Silva é que a Concertação Social já não é o que era, porque o compromisso central desta legislatura está assinado, sim, mas com os partidos à esquerda na Assembleia da República. “Simplesmente já não é the only game in town”, dizia o sociólogo Alan Stoleroff, numa oportuna entrevista que publicámos esta segunda-feira.

É por isso que no 1.º de Maio passou a ser mais importante ouvir Jerónimo de Sousa e Catarina Martins do que os discursos dos líderes sindicais. E é mais significativo ouvir o Bloco alertar para o atraso no cumprimento dos acordos do que ouvir as centrais ameaçar com uma greve geral.

A greve não virá, porque este compromisso à esquerda já deu muito aos sindicatos. Mas também porque ainda há mais para dar: falta descongelar carreiras e integrar precários, mesmo sabendo que só há 200 milhões de euros para as primeiras e que não há grande margem para os segundos. Conhecendo as cartas do jogo, o Governo deu uma mão agora às centrais sindicais: no processo de integração dos precários, também eles poderão dizer quem merece ir para os quadros do Estado. Parece muito e não é nada: é que nas comissões que vão decidir tudo, caso a caso, a maioria estará nas mãos do Governo. Mas para os sindicatos é muito, porque chega para dizer que lutaram pelos direitos dos seus. 

Depois disto virão as negociações sobre as reformas antecipadas. Depois sobre as carreiras. Depois sobre a contratação colectiva. E ainda sobre a legislação laboral. 

Este compromisso de esquerda é um quebra-cabeças, sim, mas não para António Costa: ele sabe que a solução para o concluir é ir resolvendo aos poucos, sem nunca esgotar o desafio. "É preciso ir mais longe”, dizia Arménio Carlos na Alameda. Já sabe: no próximo 1.º de Maio, o palco será uns metros além da Fonte Luminosa.

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