Isabel Mota, o plano B da Gulbenkian tem um lado sorridente

É a primeira mulher a presidir a uma fundação com 60 anos e conhece a casa como poucos. Eleita por unanimidade quando Guterres deixou de ser uma opção, toma hoje posse entre expectativas contraditórias de continuidade e mudança.

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Isabel Mota, a nova presidente da Gulbenkian, é o plano B. O plano A, António Guterres, está agora em Nova Iorque desde o início do ano como secretário-geral das Nações Unidas.

“Uma segunda escolha”, saída de um conselho de administração “envelhecido”, é como tem sido descrita dentro e fora da fundação a eleição de Isabel Mota em Dezembro para a presidência da Gulbenkian, que toma posse esta quarta-feira, às 15h, no auditório 2 da sede em Lisboa.

“Estava tudo pensado para ser Guterres. Claro que estamos um bocadinho apreensivos, mas vamos dar-lhe o benefício da dúvida”, conta uma trabalhadora da Gulbenkian que pediu o anonimato para falar com o PÚBLICO, acrescentando que nos últimos cinco anos, com um presidente em part-time, “não havia grande rumo para a fundação”. Artur Santos Silva, o último presidente, “nunca abandonou o seu lugar na banca [BPI]”, sublinha. “A Gulbenkian justifica uma entrega a tempo inteiro.”

“Há uma grande vontade de mudança lá dentro e cá fora. As expectativas que há sobre ela são enormes”, afirma o programador António Pinto Ribeiro, que trabalhou várias vezes com Isabel Mota, nomeadamente quando esta era a administradora responsável pelo Programa Próximo Futuro, dedicado à cultura contemporânea, e que saiu da fundação em conflito com Santos Silva. “Isso pode funcionar a favor, mas também contra”, continua Pinto Ribeiro, actualmente coordenador-geral da Lisboa 2017 – Capital Ibero-Americana de Cultura.

Em Janeiro, Nicolau Santos, director-adjunto do jornal Expresso, escrevia que “há um silêncio ensurdecedor sobre a escolha de Isabel Mota para dirigir a Fundação Gulbenkian” e que isso só pode querer dizer que “há enormes dúvidas” sobre a sua capacidade para dar a volta à fundação. Acrescentava ainda, num texto intitulado Fundação Gulbenkian, o estado da arte, que há quem pense que a Gulbenkian “está sem rumo”, tem um conselho de administração “envelhecido”, transformado numa “prateleira dourada para ex-políticos”, que “aceitou ter um presidente a meias com um banco e apostou todas as fichas em António Guterres”.

A primeira mulher

Em 60 anos de Gulbenkian, Isabel Mota será a primeira mulher na presidência da fundação, uma das maiores da Europa, como sublinha o filósofo Eduardo Lourenço, e a única surpresa é que só agora tenha acontecido.

“Vejo com muito agrado uma mulher à frente de uma organização tão importante como a Gulbenkian, mas fico particularmente contente pelo facto de essa mulher ser a Isabel Mota”, diz ao PÚBLICO Leonor Beleza, presidente da Fundação Champalimaud. Além da competência, destaca em Isabel Mota a “enorme dedicação” que coloca no que faz e o conhecimento que tem da casa. “Ela conhece muitíssimo bem a Gulbenkian, em várias áreas, provavelmente muito melhor do que outras pessoas com quem trabalha.”

Isabel Mota é também a primeira presidente que não tem uma licenciatura em Direito, sucedendo, por ordem de antiguidade, a Azeredo Perdigão, Ferrer Correia, Vítor Sá Machado e Rui Vilar, além de Santos Silva.

Economista de formação, antes de chegar à Gulbenkian nos anos 90, Isabel Mota foi secretária de Estado em dois governos de Cavaco Silva, com responsabilidades nas negociações dos fundos estruturais e de coesão junto de Bruxelas. De certa maneira, tornou-se um símbolo dos anos de sucesso do cavaquismo. Juntamente com Manuela Ferreira Leite, Leonor Beleza e Teresa Gouveia, forma a elite feminina do PSD ou “as quatro magníficas”, como lhes chamou o deputado europeu Paulo Rangel, num post no Facebook, na altura da eleição de Isabel Mota para o novo cargo.

Isabel Mota e Leonor Beleza, hoje a presidirem a duas das fundações mais importantes do país, foram colegas de Governo e é por isso que Leonor Beleza diz conhecer bem as “capacidades extraordinárias” de Isabel Mota para liderar a fundação. “Tem um percurso muitíssimo relevante como membro do Governo, trabalhando na altura numa área muito complicada, que era a da obtenção de fundos de Bruxelas. Isabel Mota é muito competente e sabe mover-se em qualquer meio.”

Na eleição que teve lugar a 7 de Dezembro, num conselho de administração com nove membros e Guterres já a caminho de Nova Iorque, só quatro eram elegíveis porque não ultrapassavam os 70 anos: Isabel Mota, Martin Essayan, José Neves Adelino e Guilherme d’Oliveira Martins. O seu maior rival terá sido precisamente este último, várias vezes ministro, antigo Presidente do Tribunal de Contas, e administrador da Gulbenkian desde 2015. Mas Isabel Mota, a administradora há mais tempo no cargo, foi a primeira a apresentar-se à votação, depois da sondagem que normalmente é feita pelo presidente que está de saída junto dos outros membros da administração para avaliar a receptividade ao nome e evitar situações desagradáveis. Foi eleita por unanimidade.

Só um mandato

O facto de ser a administradora-executiva mais antiga da fundação, com passagem pelas Finanças e Recursos Humanos, dá-lhe a vantagem de conhecer bem a casa. “É uma pessoa de uma enorme lealdade para com os seus colaboradores”, defende António Pinto Ribeiro. “É muito curiosa, o que lhe permite estar disponível e chegar a áreas que habitualmente não domina. E ouve.”

Mas há um lado menos positivo, destacam alguns, numa pessoa que gosta de ouvir os outros: “Às vezes pode parecer um cata-vento. Ouve demasiada gente, sobretudo o bloco central. Ela é uma mulher da política, que tem sempre um olhar político sobre as coisas." 

Foi para a Gulbenkian pela mão do Rui Vilar, que presidiu à fundaçãodurante dez anos, antes de Artur Santos Silva. Com 65 anos, Isabel Mota poderá fazer apenas um mandato na presidência da Gulbenkian, como aconteceu com Santos Silva, uma vez que em 2022 já terá 70 anos.

A nova presidente chegou à Avenida de Berna em 1996 para dirigir o serviço de Orçamento, Planeamento e Controlo, tendo sido nomeada administradora três anos depois. Recebeu os pelouros relacionados com o Serviço de Relações de Trabalho, Serviços Médicos e Serviços Centrais. Actualmente, Isabel Mota tem nas suas mãos três programas (Desenvolvimento Humano, Inovar Saúde, Qualificação das Novas Gerações), duas iniciativas Gulbenkian (Cidades, Globalização e Sociedade, Oceanos) e o Serviço de Bolsas.

“Ela tem fama de ser muito dinâmica. Pesou muito na escolha ser bem aceite e não ser uma pessoa conflituosa. É extremamente simpática”, diz uma fonte de outra fundação portuguesa. “Os coronéis [o nível dos directores] gostam muito dela.”

Dentro da fundação, além da simpatia, destacam o seu lado mais próximo dos funcionários, quando comparado com os presidentes anteriores. “Vai aos serviços, mistura-se.” Outro trabalhador, que também não quer ser identificado, diz que “a casa está muito satisfeita com a escolha e com muitas esperanças numa pessoa que conhece tão bem a fundação e tem enorme capacidade de trabalho”.

Os mais vulneráveis

Na altura da eleição, em declarações ao PÚBLICO, Santos Silva e Rui Vilar destacaram, respectivamente, que a escolha de Mota significa “uma transição completamente pacífica” e “contribui para dar continuidade ao trabalho da fundação”. Mota, numa declaração divulgada em Dezembro, assumia, entre os seus compromissos para o futuro, que “os mais vulneráveis […] deverão ser os principais beneficiários da actividade da fundação” e que são “a arte e a cultura […] que nos dão a sabedoria e constituem os alicerces da tão necessária tolerância nos tempos conturbados em que vivemos”. Luís Valente de Oliveira, de quem foi secretária de Estado, reconhecia, nesse perfil do PÚBLICO, que a nova presidente “é particularmente sensível às questões sociais”, mas também “tem mostrado grandes capacidades em todos os sectores”, lembrando o seu papel no projecto de Serralves.

António Pinto Ribeiro diz que a sua expectativa é que Isabel Mota consiga fazer da fundação uma verdadeira instituição cultural internacional. “Ela é internacional do ponto de vista formal, mas tem pouca relevância nesses circuitos. Não consegue marcar agendas e, de uma forma geral, nos projectos internacionais tem sido sobretudo um contribuinte financeiro. No caso das exposições, nos últimos anos, quais são as co-produções relevantes? As razões para isso são o seu perfil ‘antigo’ e, em termos internacionais, não sendo uma pequena fundação também não é uma das maiores.”

Segundo o programador, a fundação precisa de estabelecer uma hierarquia de prioridades. “Não pode fazer tudo. Tem que ter três ou quatro objectivos. Não pode esquecer que a fundação é reconhecida como tendo um perfil cultural. Devem fazer um trabalho redistributivo, continuar a fazer ciência, mas a partir de uma ideia de que a fundação é uma instituição cultural.” A médio e longo-prazo também tem que ter um grande objectivo: “O que é que a fundação deve ser daqui a 20 anos?”

O grande desafio é a sustentabilidade de uma instituição que se quer perpétua pelos estatutos, sendo os resultados do último relatório e contas, divulgado no fim-de-semana, mais animadores do que os do anterior.

Recentemente, 40 personalidades dos meios políticos, académicos e culturais assinaram uma carta-aberta à Gulbenkian, apelando ao respectivo conselho de administração para que “trabalhe numa estratégia de saída dos seus activos relacionados com combustíveis fósseis”.

Com Lucinda Canelas

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