Circuito fechado

O Indielisboa propõe este ano uma programação nacional forte, mas muitos destes filmes não existirão – infelizmente – fora do festival.

Seis longas e 19 curtas a concurso, Teresa Villaverde a abrir o festival e uma série de outros filmes de produção nacional a percorrer a programação – na conversa que tiveram com o PÚBLICO aquando da apresentação da edição 2017, Miguel Valverde, um dos directores do Indielisboa, e Mafalda Melo, programadora, falavam de um ano recorde e extremamente forte em termos de produção portuguesa. Como se todas as convulsões que afectam o cinema feito em Portugal, entre financiamentos e júris e polarizações, apenas reforçassem a vontade de resistir e de filmar por parte daqueles que acreditam que o cinema tem coisas a dizer ao público.

Isso é bom. É mesmo óptimo. E explica a incrível variedade e diversidade de uma produção que é reconhecida internacionalmente (é ver as selecções internacionais para festivais, os prémios e a atenção que os filmes vão recebendo). Mas os filmes que o Indielisboa exibe, e que os festivais de modo mais lato apoiam, não chegam às salas; das oito longas que o Indie mostrou no seu concurso nacional em 2015 e 2016, só dois – A Toca do Lobo de Catarina Mourão (1800 espectadores) e Estive em Lisboa e Lembrei de Você de José Barahona (250 espectadores) – viram estreia em sala, e os dois vencedores desses anos – Os Olhos de André de António Borges Correia e Treblinka de Sérgio Tréfaut – continuam inéditos. Num país onde não existe verdadeiramente um “mercado” digno desse nome, e o mercado que existe está perpetuamente viciado em favor de exibidores que, na sua maioria, apenas procuram “produto” para preencher horário nos multi-salas, estes filmes que, na prática, não existem fora dos festivais estão a dirigir-se para quem?

Sejamos sinceros: o que o Indie (ou o Doc, ou o Curtas, ou qualquer outro festival que mostre produção portuguesa) mostra não é apenas para o público português, mas também – e talvez primordialmente - para o circuito de programadores, cineastas e jornalistas estrangeiros que procuram novidade, originalidade, futuro pelos certames globais. E como os nomes portugueses de “primeira grandeza” - Pedro Costa, João Pedro Rodrigues, Miguel Gomes ou Teresa Villaverde – têm um estatuto que permite aos festivais internacionais de classe A ter “direito de primeira escolha”, um festival como o Indie está eternamente condenado à “segunda linha” da produção nacional, o que será certamente injusto mas é também grandemente representativo das capelinhas do cinema. Quando se pode ter Cannes, Berlim, Veneza ou Locarno, um Indie parece pequenino, modesto, caseirinho. Não é um problema exclusivamente português mas, na actual situação de polarização local em que se parece insistir na eterna separação entre o cinema “de autor” e o cinema de “grande público”, a sensação é que há toda uma geração de autores que se constrói em circuito fechado, sem verdadeiramente chegar alguma vez a um público mais alargado, esgotando-se no circuito de festivais nacionais e internacionais.

Um filme como Amor Amor, de Jorge Cramez, tem tudo para agradar ao grande público. Mas a “estigmatização” cega que ganhou raiz com o “escândalo” de Branca de Neve de João César Monteiro e a demagogia polarizadora que se instalou a partir daí corroíu de tal modo a imagem do cinema português que dificilmente alguém estará disposto a dar uma hipótese a filmes que não vêm com o peso das grandes campanhas de marketing e que não têm capacidade para competir com o que vem lá de fora. Os dois filmes portugueses que mais viajaram em 2016, somando prémios, presenças em festivais e estreias comerciais em todo o mundo, mal registaram com os nossos espectadores, e não foi por falta de comunicação – Cartas da Guerra de Ivo Ferreira fez pouco mais de 20 mil espectadores, O Ornitólogo de João Pedro Rodrigues ficou-se pelas quatro mil. Face a isto, o papel dos festivais é cada vez mais importante para que este cinema exista – mas é preciso ir para lá deles, perceber que o cinema existe para ser mostrado, celebrado, partilhado. Quando deixaremos de olhar para a produção portuguesa deste modo, quando começaremos a perceber que o cinema que cá se faz merece existir fora de eventos pontuais?

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