A diabolização de Le Pen, por Emmanuel Macron

No seu grande comício antes da eleição, o candidato centrista deixou claro não não há uma adversária, há uma inimiga. "É agora que se joga a herança política, intelectual e moral da República Francesa”, disse.

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Emmanuel Macron no comício de segunda-feira nos arredores de Paris EPA/IAN LANGSDON

Fato escuro, camisa branca, nem um cabelo fora do sítio. Emmanuel Macron, 39 anos, correspondeu, no aspecto e no conteúdo, às expectativas dos 12 mil apoiantes que juntou nos arredores de Paris para o seu último comício antes da segunda volta das presidenciais, no domingo. Esperava-se dele uma resposta elegante mas forte às acusações que a adversária, Marine Le Pen, lhe tinha feito horas antes. Tratou-a não como uma rival, mas como uma inimiga — não dele, Macron, mas de toda a França. “É uma verdadeira inimiga, poderosa, inteligente, dissimulada”.

Uma inimiga que sabe jogar perante uma França que, admitiu, está dividida — há duas Franças, reconheceu, onde “os agentes do desastre da Frente Nacional querem fazer uma festa”. “Há decénios que atiçam o ódio, mas no próximo domingo vamos vencê-los”, disse o candidato do movimento Em Marcha!, perante os apoiantes que empunhavam bandeiras francesas e europeias, e que aplaudiam e gritavam a cada frase do candidato contra a “inimiga”.

Marine tinha acabado de acusá-lo de ser o “candidato da finança”. Ele acusou-a de ser a candidata “anti-França”. Apresentou-se como o homem com o temperamento, os ideais e o programa capazes de reconciliar um país fragmentado. Quer falar para todos, disse, não apenas para alguns, como Le Pen.

Macron e Le Pen têm formas de falar diferentes. A candidata da Frente Nacional — que se afastou da liderança do partido de extrema-direita para poder apresentar-se como candidata de todos os franceses — é directa e não tem filtro na hora de fazer acusações. Emmanuel Macron acusou-a de “grosseria”, mas os jornais franceses são unânimes em dizer que, com umas ou outras palavras, o seu objectivo (bem sucedido) foi diabolizar a adversária.

Marine Le Pen, disse, está à frente de um movimento político “odioso” que, se vingar, fará a República francesa entrar “num caminho sem regresso”.  “O que proponho, senhora Le Pen, é rejeitar a miséria e a guerra. Isso, não queremos”.

Esse caminho sem regresso foi a ponte para a sua segunda mensagem em La Villette — aos que têm dúvidas em votar nele, pediu-lhes que o façam, e disse que tem “respeito” pelos que votarão nele por defeito, só para que Marine Le Pen não seja Presidente. Disse que está comprometido com quatro “R”: “responsabilidade”, “resistência”, “renascimento”, “renovação”.

Há, porém, uma coisa que não fará, em resposta a Jean-Luc Mélenchon: “Mudar o meu programa? Isso seria trair os eleitores. As reformas que proponho são eficazes, vamos fazê-las”.

No comício, Macron teve a seu lado figuras da esquerda e da direita. Ségolène Royal, compareceu, com um casaco azul bandeira, e os comentadores políticos franceses disseram que havia alguma ironia devido à sua ligação a François Hollande (foi a sua primeira mulher e é ministra do Ambiente), depois de horas antes Le Pen ter acusado Macron de ser o “herdeiro” do actual Presidente.

No domingo, Macron conseguiu um meio apoio de um dos candidatos que derrotou na primeira volta, Jean-Luc Mélenchon. Na TF1, o candidato da esquerda pediu aos seus apoiantes para não cometerem o “terrível erro” de votarem na Frente Nacional. “Não há ambiguidade na minha posição. Não votarei na Frente Nacional, combato a FN. E digo a todos os que me quiserem escutar: não cometam o terrível erro de pôs um boletim de voto na FNl”.
Galvanizados pelo discurso em crescendo do candidato, os 12 mil apoiantes aplaudiram e gritaram “Macron Presidente”, “Vamos ganhar”, e juntaram a nova palavra de ordem contra Le Pen que nasceu em La Villette: “Isso, não queremos”.

Na terceira parte da sua intervenção, depois da diabolização da inimiga e do apelo ao voto útil, o candidato centrista — que concorre como independente, através da plataforma Em Marcha!, que criou — avançou para o resumo de algumas das suas propostas. Prometeu igualdade de oportunidades para todos, na escola e no trabalho, e prometeu proteger “todas as famílias” — mandou farpas a Le Pen por não ter uma boa relação familiar, em concreto com o pai, Jean-Marie, o fundador da Frente Nacional. Disse acreditar que vai estar na origem de uma “mutação profunda do país” que vai “definir as próximas décadas”. “A batalha será violenta — disse, mas é agora que se joga a herança política, intelectual e moral da República Francesa”.

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