Solução de Governo "constrange a acção das confederações"

Alan Stoleroff, sociólogo do ISCTE, alerta que por trás da aparente paz social, o mundo laboral está a sofrer transformações que para muitos trabalhadores são de "uma violência constrangedora".

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O sociólogo Alan Stoleroff, que há várias décadas estuda o movimento sindical português, reconhece que a actual solução governativa obriga a CGTP e a UGT a actuarem com cuidado para não estorvarem o entendimento político entre o PS, o BE e o PCP. Mas, refere numa entrevista por escrito ao PÚBLICO, as duas centrais estão condicionadas por outros motivos, em particular as suas capacidades reais de mobilização e a descompressão que o país está viver face ao período da troika.

Como vê a forma como a CGTP e a UGT se têm posicionado perante o Governo?
Actualmente, na medida em que os sindicatos estão constrangidos quanto às suas capacidades reais de mobilização (quer nos locais de trabalho, quer para acções de protesto), torna-se cada vez mais importante o papel das confederações enquanto representantes de classe ao nível político. Ambas as confederações têm confrontado os jogos políticos com cuidado, em função das suas orientações ideológicas e programáticas. A UGT tem sido relativamente consistente ao apostar fundamentalmente na concertação. A CGTP procura jogar na dependência que o Governo tem em relação aos arranjos com a esquerda, mas procura esticar as possibilidades na medida que pode. Têm actuado com bastante cuidado mas, como referi, estão constrangidos pelas suas capacidades reais de mobilização e pela descompressão que o país ainda está a viver com o alívio em comparação com os anos de tensão terrível sob a troika e o Governo PSD/CDS. 

A CGTP está menos reivindicativa?
Não diria menos reivindicativa, mas muito cautelosa, como tem de ser, para não estorvar o entendimento político estabelecido entre o PS/Governo e os partidos à esquerda. Com cuidado, procura esticar as possibilidades para conseguir algo. Pela primeira vez talvez desde 1975 não aparece a palavra de ordem “Governo para a rua”. As coisas estão melhores agora (ou pelo menos, menos mal) do que quando o PSD/CDS estava no Governo. Mas a CGTP está a lutar, com cuidado, para conseguir repor as medidas que eram as alavancas para o modelo de contratação colectiva que tínhamos (acabar com a caducidade, reestabelecer o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhado). Basta ver as suas reivindicações para o 1.º de Maio. Por não avançar com as palavras de ordem que usou contra o Governo da troika, não quer dizer que seja menos reivindicativa. De maneira nenhuma. As suas reivindicações (talvez com excepção dos 4% de aumento salarial) são realistas dadas as possibilidades da situação.

A UGT perdeu espaço na concertação social a favor do Parlamento?
Nesta conjuntura, a concertação é que perdeu algum espaço em relação aos processos legislativos, mas a concertação mantém a sua importância para os processos de legitimação no domínio laboral. Simplesmente já não é the only game in town.

Como é que avalia as estratégias sindicais seguidas por cada central?
Não avalio tanto. Os constrangimentos são reais quer para uma, quer para outra. Dados estes constrangimentos relativos ao poder negocial nas empresas e na contratação colectiva e à mobilização, a actuação “política” das confederações quer em relação ao Parlamento, quer em relação à concertação tornou-se fundamental. Se calhar, de momento, temos que relativizar o que entendemos por estratégias.

A actual solução de Governo compromete ou neutraliza o movimento sindical português?
Não neutraliza mas, evidentemente, constrange a acção das confederações.

O facto de os partidos com base sindical (PCP e BE) estarem sentados à mesa com o Governo tem funcionado melhor para eles atingirem os seus objectivos políticos do que funcionaria a pressão dos sindicatos?
Em primeiro lugar, o PS e mesmo o PSD têm aderentes no movimento sindical! Por outro lado, nesta conjuntura a pressão dos sindicatos está atenuada quer pelas perdas na sindicalização, quer pela perda de poder negocial na contratação colectiva (que é um efeito tanto da perda de sindicalização, como da realidade económica). Portanto, a actuação política das confederações quer em relação ao Parlamento quer em relação à concertação tornou-se fundamental. Desde a instauração do Governo PS, os sindicatos têm ganhado algumas pequenas vitórias, mas este Governo não está a ceder a todas as reivindicações das confederações, nomeadamente em relação à legislação laboral e à contratação colectiva.

Podemos dizer que vivemos tempos de paz social em Portugal? Ou estamos apenas a ressacar de tempos difíceis que implicaram um programa da troika e muita austeridade?
Por um lado, sim, estamos a ressacar. O tempo da troika e do Governo PSD-CDS foi traumático. As feridas ainda não cicatrizaram. Ninguém quer regressar àquele tempo. Mas também há constrangimentos à acção sindical que derivam do enfraquecimento que sofreu na crise e as transformações subsequentes da economia e do mercado de trabalho. De toda a maneira, paz não há num sentido profundo. As transformações no mundo laboral são para muitos trabalhadores de uma violência constrangedora. Mas as oportunidades para acção colectiva destes trabalhadores ainda não apareceram.

A “geringonça” está a travar outros movimentos sociais?
A “geringonça” não está a travar a emergência de movimentos sociais. Com o aumento de representação do BE, em particular, no Parlamento, certos movimentos até conseguiram obter uma voz no Parlamento. O que está a descansar de momento, em parte devido à “geringonça”, é o protesto político popular. A reposição de algum rendimento, a aparência de reposição de alguns direitos, a percepção de algum alívio em relação ao que foi uma ofensiva brutal contra a classe trabalhadora estão a condicionar o protesto político; isso sim. Mas não se deve confundir movimentos sociais com o protesto político que se exprime em nome da classe trabalhadora.

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