Abril e o Poder Local

Se Abril de 74 nos trouxe a materialização da quimera da liberdade e de um país livre de um regime de ditadura, Abril de 76 trouxe a todos os portugueses e portuguesas a promulgação da nova Constituição da República Portuguesa.

As primeiras eleições legislativas trouxeram a implementação de vários instrumentos de governação e de apoio à gestão do território português. Daí para cá, e veja-se que decorreram mais de quatro décadas, o país sofreu uma transformação extraordinária a todos os níveis.

O poder local passou a ser visto por uma grande maioria como um instrumento de governação próxima das localidades e dos cidadãos, como algo bastante positivo para o progresso e avanço cultural, social, urbanístico e nacional. O desenvolvimento e aperfeiçoamento de inúmeras competências políticas e técnicas por parte dos protagonistas da governação local foram, ao longo dos anos, materializando-se em desenvolvimento sustentável.

A Constituição de 76 alude ao poder local como uma constante e forte presença e define que as autarquias são constituídas por freguesias, municípios e regiões administrativas. Dotadas de autonomia administrativa e financeira, as autarquias locais iniciam assim um longo percurso de intenso e árduo trabalho junto das populações e comunidades, de Norte a Sul do país, transformando-o, consolidando-o, dando-lhe forma e conferindo aos portugueses e portuguesas as condições de vida e mobilidade condignas.

E cheguei, portanto, onde queria chegar. “Autarquias locais” é o termo que designa o conjunto de câmaras municipais e juntas de freguesia de Portugal. Não obstante as assimetrias traçadas numa e outra categoria, o certo é que as segundas continuam a ser, empiricamente e culturalmente pensando, os parentes pobres da governação local.

É fácil, usual e recorrente, excecionando desta regra o atual primeiro-ministro e o atual Presidente da República, ouvirem-se discursos e intervenções políticas por parte de protagonistas da dimensão político-partidária, à luz dos quais a pirâmide governativa se inicia nos municípios.

Alegremente vos digo que essa mesma pirâmide começa um pouco mais abaixo. Tão abaixo, que muitos dos que diariamente tomam decisões sobre as vidas de todos nós e fazem prelações contínuas sobre o estado da “coisa”, por vezes a “coisa” que desconhecem ou nunca ouviram falar, nem se lembram que existem a menos, claro, que seja necessário licenciar o cachorrito lá de casa. Ao todo, 3092 “pequeninas autarquias”, compostas por “pequeninos executivos” e “pequeninas assembleias de freguesia”, que por todo o país vão fazendo e dizendo umas “pequeninas coisinhas”, eleitos por diversos partidos políticos, de forma direta e por sufrágio. Escrever sobre o poder local, o tal poder “mesmo local”, é falar de juntas de freguesia, é falar de autonomia, na medida em que o poder não acontece apenas no sentido descendente, partindo do Estado.

“O local é composto por vários actores e intervenientes, cada um com a sua racionalidade e personalidade, construída com base nas funções que desempenham, bem como nos interesses e objetivos que representam. O local não é uma racionalidade única e absoluta. São várias racionalidades. A análise plena do conceito de local, só acontecerá quando se der importância à cultura política local. É necessário ter em conta que existem estruturas sociais e modelos de interacção específicos de determinado local que podem dar origem a formas também específicas de comportamento político. Cada local é um actor colectivo, que tem e cria uma imagem de si mesmo, que transmite para o exterior, negociando assim a sua posição na hierarquia dos locais. É aqui que as políticas globais acontecem, adaptam, tomam forma e se relacionam. O conjunto dos vários locais compõem a estrutura da política nacional. O local não está totalmente isolado do contexto nacional, mas também não está dependente dos níveis superiores de poder. O poder municipal precisa do local para ligar o centro às periferias.”

Por este motivo, os eleitos locais assumem um papel preponderante na vida das suas populações. Os eleitos locais assumem desde 1976 a mais fascinante e nobre missão pública. São homens e mulheres que lutam pelos seus territórios, ouvem e sentem os problemas dos seus concidadãos, resolvendo-os de forma autónoma! E o leitor, lembra-se da última vez que visitou o seu governo de proximidade local, a sua junta de freguesia?

Sugerir correcção
Ler 1 comentários