De Brejnev à “geringonça”

Como mudou o mundo em tão pouco tempo. Que não mude a esperança.

Não há muitos anos, no tempo da URSS, Brejnev, secretário-geral do PCUS, chegou a anunciar o início da passagem do socialismo à construção das bases materiais do comunismo. Era o chamado homem novo. O PCUS contava com 15 milhões de membros, fora os das juventudes comunistas.

Os países ditos socialistas segundo a terminologia oficial estavam a construir um homem novo gerado na eliminação dos restos do fascismo, da xenofobia e fundado na igualdade entre os cidadãos, caminhando para o princípio em que cada um desfrutaria da sociedade segundo as suas necessidades. Era o que se proclamava e em certo sentido se acreditava. No entanto, tudo ruiu como um baralho de cartas, sem que os militantes daqueles partidos no poder tenham esboçado qualquer defesa, mostrando o total afastamento do povo em relação ao regime.

O capitalismo do outro lado eufórico proclamava o fim da História e anunciava um mundo de felicidade baseado na chamada livre iniciativa. Tudo parecia mudar. O homem novo na URSS e nos países socialistas dava lugar ao novo homem vivendo democraticamente no melhor dos mundos.

Houve uma guerra para exportar a democracia para o Iraque. As primaveras gelaram porque na sua base a democracia nunca acontecera, antes a manipulação para o país mudar de dono. Pelas ruas das grandes metrópoles europeias, a pouco-e-pouco o poder do dinheiro foi secando a alma da democracia, pois o poder do dinheiro é portador de uma gula sem cura, comendo tudo à volta. Afinal, o capitalismo popular onde todos podiam ter acesso a tudo estoirou.

Os partidos do poder que prometiam para se alcandorarem ao poder, tantas foram as mentiras que cansaram as pessoas de os ouvir. Vieram novas promessas com a austeridade; uma espécie de duro purgatório para se alcançar o céu da redenção capitalista.

De desilusão em desilusão, chegamos ao ponto onde nos encontramos. Nas terras do homem novo, o homem desalienado, crescem e medram extremas-direitas ativas, erguendo novos muros. Trump, o homem que só tinha dinheiro e ideias próprias dos muito endinheirados, foi eleito com a promessa dos mexicanos pagarem um muro que ele ia mandar construir para os impedir de entrar na “America first”. Os EUA, que tanto investiram no derrube do muro de Berlim, a mandarem construir um novo muro na sua fronteira sul… Na Suíça, na Áustria, na França, na Holanda, nos países do novo mundo onde a história teria terminado, movimentos extremistas de direita, fascizantes, ampliam assustadoramente as suas bases de apoio.

Os partidos do arco da governação perderam a credibilidade, a ponto de Macron fugir a sete pés do governo do PS para se candidatar e passar à segunda volta das presidenciais face ao terramoto no PS e nos partidos da direita. Os socialistas um pouco por todo o lado vivem a crise do mundo que geraram. Na Alemanha de braço dado com a Merkel, na França rasgando tudo o que prometeram, na Grécia, na Espanha, na Holanda, seguindo a mesma cartilha neoliberal, em crise profunda. Os comunistas perdendo identidade ou acenando uma identidade petrificada estão também mergulhados numa crise enorme.

Em Portugal, fruto de diversas circunstâncias, algo de novo se constrói. Embora com bases ténues, os rostos da austeridade estão mesmo danados com o que passa no país de Abril. Pelo contrário, à exceção de Passos Coelho e Marco António Costa, o país anda descontraído e liberto do chicote que o punira durante quatro anos. O novo é um poder baseado em acordos complicados, mas que têm por base a recuperação de rendimentos e o termo da política austeritária.

Há muito que o prometido era apenas conversa fiada e agora, com esta fórmula de governo, passou a ser em grande medida realidade. E o impacte na comunidade nacional tem sido enorme. O país está calmo e a extrema-direita praticamente inexistente, em contraste com outros países. Para já, o diabo ficou na mansão do Sr. Schäuble, e a Lusitânia vai avançando, às vezes aos solavancos, outras vezes mais calmamente. Seguramente que haverá em torno da UE e do euro grande turbulência entre os partidos que assinaram os acordos, mas o essencial é não perder de vista que a resposta aos problemas pode ser dada, apesar das dificuldades.

Vêm aí eleições. Não parece que a direita vá ser premiada. O PSD anda amargurado e toda a gente já lhe detetou o estado de alma. O CDS, mais inteligente, acredita que prometendo exatamente o contrário do que fez com Passos Coelho vai ganhar eleitores ao PSD.

Há uma perspectiva ainda frágil, mas que está a resultar do lado das esquerdas. No fundo, basta cumprir o que prometeram, por mais difícil que seja o percurso. Sem homem novo, sem novo mundo, apenas cidadãos que lutam pelos seus direitos; às vezes realizados, outras vezes adiados.

Como mudou o mundo em tão pouco tempo. Que não mude a esperança.

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