Medidas imediatas dão folga de 410 milhões em 2018

Relatório do grupo de trabalho da dívida sugere acabar com o excesso de prudência na distribuição de dividendos do Banco de Portugal e na forma como o Tesouro está a gerir a dívida pública

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Nuno Ferreira Santos

Assumindo que avançar rapidamente para uma reestruturação de dívida não será possível e lamentando o “constrangimento à retoma” que representa um nível de endividamento tão elevado, o grupo de trabalho nomeado pelo Governo para analisar o problema da dívida pública optou por ocupar a maior parte do seu relatório com a sugestão de quatro medidas que o Governo pode aplicar imediatamente, sem precisar de qualquer autorização da UE, e que podem garantir uma margem extra de 410 milhões no OE para 2018. Pelo meio, ficam implícitas diversas críticas ao excesso de prudência revelado pelo Banco de Portugal na distribuição dos seus dividendos e pelo Tesouro na gestão da dívida pública durante os últimos anos.

O relatório do Grupo de Trabalho sobre a Sustentabilidade da Dívida Externa, que é hoje apresentado e a que o PÚBLICO teve acesso, começa por repetir a ideia de que, com o actual nível de dívida pública, apenas com excedentes orçamentais primários “nunca registados em Portugal e raramente alcançados por algum país” será possível cumprir as regras europeias durante as próximas décadas.

Perante isto, o que fazer? O grupo de economistas e de políticos do PS e Bloco de Esquerda que produziram o relatório apresentam uma resposta ideal e uma resposta possível. Para limitar de forma significativa o problema, defendem, seria necessária uma reestruturação dos empréstimos concedidos a Portugal pelos seus parceiros da zona euro. Mas perante o constrangimento político de ter de fazer depender uma reestruturação de um acordo à escala europeia, opta-se por, entretanto, sugerir medidas de pequena dimensão que, podem ser aplicadas pelo Governo sem depender de mais ninguém.

São quatro as medidas propostas. Uma apela ao Governo que altere a forma como se relaciona com o Banco de Portugal, as outras três desafiando as Finanças a mudar a maneira com tem vindo a gerir a dívida pública.

No que diz respeito ao Banco de Portugal, o grupo de trabalho considera que o Estado deveria estar a receber dividendos substancialmente mais elevados da autoridade monetária. Quando comprou dívida pública portuguesa em 2015, a entidade liderada por Carlos Costa optou, para se proteger do risco de incumprimento por parte do Estado, por constituir provisões no valor de 480 milhões de euros.

Os autores do relatório da dívida dizem que essa protecção contra o risco tal não se justifica, que a maioria dos países europeus não a pratica e que tal privou o OE de 2016 de uma receita de 412 milhões de euros. Por isso propõe que o Governo, como accionista do banco central, o force a deixar de constituir essas provisões, calculando que tal resultaria num ganho de 451 milhões de euros este ano e de 195 milhões no próximo. A margem para este ano deve, porém, já estar largamente incorporada no OE em vigor, dado que o Governo convenceu o BdP a mudar de estratégia face aos números recolhidos pelo grupo de trabalho nos últimos meses.

Esta medida já teve resultados práticos, pois terá sido na sequência da análise feita pelo grupo de trabalho que se registou uma subida muito significativa da estimatva do OE 2017 para os dividendos a pagar pelo Banco de Portugal.

Em relação à gestão da dívida, o relatório está repleto de sugestões que soam em várias ocasiões a críticas à forma como o Tesouro – por via da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – tem vindo a gerir a dívida pública.

Uma das questões levantadas é, também aqui, aquilo que o grupo de trabalho considera ser um excesso de prudência do Tesouro, que tem vindo nos últimos anos a aumentar progressivamente a maturidade da dívida pública portuguesa, emitindo títulos com prazos mais alargados.

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Essa estratégia faz com que Portugal evite ter de procurar tantas vezes financiamento no mercados, mas o relatório afirma que “embora a estratégia de diminuição do risco de refinanciamento seja compreensível e seja, aparentemente, prudente, essa estratégia tem custos elevados”, isto é, o Estado acaba por ter de suportar taxas de juro mais elevadas.

Propõe-se por isso uma redução da maturidade que, nos moldes apresentados, geraria, diz o grupo de trabalho, uma poupança na despesa com juros de 387 milhões de euros já em 2018 - e que iria subindo sucessivamente até chegar aos 1280 milhões de euros em 2023.

As outras duas medidas propostas no relatório são o pagamento antecipado de mais 7920 milhões de euros da dívida ao FMI para pagar menos juros (algo que tem vindo a ser feito tanto por este Governo como pelo anterior) e a criação de incentivos para que mais entidades centralizem os seus excedentes de tesouraria junto do IGCP, o que permitiria reduzir a almofada financeira do Estado e, também, poupar nos juros.

No total, com estas quatro medidas, o relatório calcula que se obtivesse um efeito global (que é diferente do efeito individual de cada uma das medidas porque há sobreposições) de 451 milhões de euros este ano e de 410 milhões de euros em 2018, subindo até aos 1162 milhões em 2023. Isto é, se tomar estas medidas, o Governo conta com uma ajuda para o OE 2018 de pouco mais de 0,2% do PIB.

Isto chega? O relatório responde claramente que não. “É evidente que só as quatro medidas pontuais propostas pelo GT são insuficientes para alterar de forma estrutural a actual dinâmica da dívida pública portuguesa”, diz o relatório, que defende que, para cumprir as regras, o país continuaria mesmo assim a ter de fazer um esforço orçamental politica e socialmente insustentável. Para evitar esse cenário, só mesmo com uma reestruturação da dívida, numa negociação europeia (ver textos nas páginas seguintes).

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