Como o banco de um curandeiro diz muito sobre a forma de fazer ciência
Instrumentos de curandeiros, plantas com fins medicinais, fibras para têxteis – estes são alguns objectos da exposição Plantas e Povos, que nos quer fazer pensar no contributo das plantas desde o século XIX.
Numa das vitrinas está uma fotografia a preto e branco de Artur Murimo Mafumo. Ela diz-nos muito sobre este moçambicano. Ao seu lado, há um banco em forma de elefante usado na prática de diagnóstico de doenças. Artur Mafumo era curandeiro. Mas em Dezembro de 1955 foi preso e os seus instrumentos de culto e adivinhação, como ossículos adivinhatórios, foram apreendidos e trazidos para Portugal por Joaquim Santos Júnior, chefe da 6.ª campanha da Missão Antropológica de Moçambique (uma expedição científica). Agora, os seus objectos estão na exposição Plantas e Povos no Museu Nacional de História Natural e da Ciência (Muhnac), em Lisboa.
Ao todo, estão expostos 308 objectos etnobotânicos e etnográficos dos séculos XIX e XX das antigas colónias portuguesas, bem como da China, do Irão e do Egipto. Todos pertencem a colecções do extinto Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT) e do Muhnac, que pertence à Universidade de Lisboa. “Esta exposição é muito importante por várias razões. A primeira é porque dentro do museu não havia um espaço dedicado à botânica”, diz ao PÚBLICO o director do Muhnac, José Pedro Sousa Dias. “Por outro lado, as colecções ilustram o uso das plantas pelas populações. Por outro ainda, o IICT tinha uma parte de etnobotânica que era complementar àquela que existia aqui no Muhnac.”
É fácil orientarmo-nos nesta exposição. Está dividida em três núcleos. O primeiro, “Cuidar”, tem 145 objectos. Aborda os fins medicinais de plantas, como a quina, usada como antimalárico, ou materiais para cuidados estéticos, como óleos e esponjas.
É também nesta parte da exposição que encontramos uma referência ao botânico austríaco Friedrich Welwitsch. Veio para Portugal em meados do século XIX e foi depois vários anos para Angola, onde identificou milhares de espécies. Nesta exposição, podemos ver a famosa Welwitschia mirabilis (seca e de pequena dimensão), que só existe no deserto do Namibe, em Angola. O maior exemplar conhecido atingiu 1,4 metros de altura e mais de quatro metros de diâmetro. Além disso, há desenhos que o botânico fez de algas microscópicas e um caderno de campo de uma expedição em Angola, de 1853 a 1860, em que Welwitsch descreve a descoberta da sua Welwitschia mirabilis.
A meio caminho na exposição pode-se encontrar os objectos do curandeiro. É no núcleo “Transcender” que, além dos instrumentos de Artur Mafumo e de outros curandeiros, encontramos 84 objectos, como tabaco em rolo, tabaqueiras fabricadas com material vegetal, máscaras para rituais de iniciação, instrumentos musicais e cachimbos. “Os cachimbos podiam ser usados em contexto ritual para contactar os antepassados”, conta Marta Costa, técnica superior do serviço de exposições do Muhnac. “O cacau está neste núcleo porque era considerado uma bebida dos deuses.”
O último núcleo já nos mostra os materiais vegetais usados na indústria, seja para a habitação, para o transporte ou a agricultura. “É a transformação dos produtos numa escala maior”, salienta Marta Costa. Nas vitrinas estão 72 objectos, como fibras que dão origem a cordas e tecidos, e plantas usadas para corantes e pigmentos.
Ao longo da exposição, há também registos fotográficos e filmes de colecções do IICT e do Muhnac, que documentam expedições científicas em Moçambique ou Angola. Mas tudo culmina com uma última reflexão, num espaço dedicado a isso mesmo, o “Reflectir”: “As colecções de objectos naturais nos museus constituem uma importante representação de informação sobre os usos das plantas pelos diferentes povos do planeta”, lê-se nesse espaço de reflexão, onde estão representadas várias espécies, como o pau-brasil, que está classificada “em perigo” de extinção. A exposição teve como comissários científicos as biólogas Ireneia Melo, Ana Isabel Correia e Maria Cristina Duarte (todas da Universidade de Lisboa), e o historiador David Felismino (curador no Museu da Saúde).
“Temos a responsabilidade de preservar o conhecimento e de intervir, para a aumentar o alerta para a sustentabilidade”, diz José Pedro Sousa Dias. “Todos os objectos da exposição são de um período em que a humanidade não tinha uma capacidade tão destrutiva em relação à natureza como hoje.” Para explorar ao pormenor estas e outras questões, haverá visitas guiadas e conferências, ainda sem data e temas definidos. Plantas e Povos é uma exposição de longa duração e também ainda não tem data de encerramento.