Crença na Ciência II

Quem faz as leis da comunidade é (também) a Assembleia da República e não um grupo restrito e luminoso de científicos. Ainda bem que ainda é assim.

Em boa hora, o director-geral da Saúde, Dr. Francisco George, colocou a questão da vacinação a frio: deveria ser um debate ao nível da Assembleia da República. No que toca à obrigatoriedade de aplicação da vacinação o que entendi da atitude do director-geral foi claro: que não é um problema imputado somente a científicos mas sim à nossa República, à nossa cultura, enfim, à nossa sensibilidade comunitária. Nem mais nem menos.

No que respeita a “obrigar” ou sujeitar legalmente um produto da ciência, há que ser claro — o debate deve ser da esfera da cultura e a cultura será sempre uma questão primariamente Antropológica, do que ao Humano diz respeito. É a este terreno que a Ciência deverá ser sempre e sempre regulada. Por isso quis deliberadamente dar um salto no ar entre os que estavam deitados com a ideia que se a ciência provou que uma vacina é aplicável, então logo a devemos impor à comunidade. Não pode haver ciência sem regulação e essa regulação é feita pela cultura e a cultura é a nossa sensibilidade, a nossa Tragédia, a nossa História.

Mas quem diz vacina, diz medicamentos ou qualquer outra técnica que será aplicada a um ser humano. Por isso reitero. Se um produto da ciência “funciona”, isso não basta para que seja aplicável sem debate cultural; temos, comunidade, que acreditar nisso. Todos os científicos têm crenças e dentro das crenças existe sempre uma dosagem terrível de incerteza. A ser verdade este primado, então porque criticam a população que vive todos os dias com incertezas das suas crenças? Que adianta criticarem os que acreditam no reiki, na acupunctura, num iogurte probiótico ou num anti-histamínico? A realidade é complexa e relativa. Aceitar a crença do outro é um acto de sabedoria e profundo conhecimento.

Somente podemos viver em comunidade com consensos. As leis são e serão sempre resultado dos consensos e os consensos valem mais que uma evidência científica. Quem faz as leis da comunidade é (também) a Assembleia da República e não um grupo restrito e luminoso de científicos. Ainda bem que ainda é assim.

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