A Guerra de Joaquim Furtado, o documentário histórico e as guerras da descolonização

A série documental de Joaquim Furtado A Guerra está a ser editada em DVD com livros assinados por Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes. Este é o prefácio do volume cinco — Angola.

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Distribuição de comida às populações, Moçambique Foto gentilmente cedida pelo Jornal do Exército

Para os portugueses durante muito tempo apenas existiam os documentários transmitidos pela RTP. Na maioria dos casos eram importações que, mesmo que fossem de grande qualidade, não retratavam a realidade portuguesa. Hoje há mais documentários nos cinemas, temos as possibilidades de escolha trazidas pela internet e a multiplicação de canais. Mas mais não é necessariamente melhor no que diz respeito a produção documental sobre Portugal. A Guerra vem mostrar que a televisão pública pode, com os meios de que dispõe, desempenhar um papel positivo na produção de documentários de grande qualidade sobre a história portuguesa, que de outra forma dificilmente seriam produzidos.

A verdade é que mesmo nos EUA o papel da Public Broadcasting Corporation (PBS) é incontornável na produção de documentários deste tipo. E é assim também no caso da Grã-Bretanha com a BBC.

Desse ponto de vista seria importante que A Guerra não fosse um marco único, testemunho do empenho de Joaquim Furtado, mas sim um ponto de partida para iniciativas semelhantes, inclusive de canais privados de qualidade. E não faltam temas: a descolonização, a revolução de Abril, a transição, etc.

A Guerra é um excelente documentário testemunhal com um nível de ambição (em horas de emissão e em recolha de testemunhos em vários continentes) apenas comparável com as melhores séries internacionais sobre este tipo de temáticas, como as de Ken Burns para a PBS e alguns clássicos da BBC.

É natural que pela riqueza dos testemunhos recolhidos se tivesse optado por um documentário de tipo testemunhal. Muitos destes testemunhos não seriam conhecidos de outra forma. Por isso é fundamental este esforço de divulgação integral da série. Como será garantir a consulta gratuita a investigadores das versões integrais destes preciosos testemunhos. Os estudiosos da história das guerras da descolonização portuguesa poderão e deverão complementar e debater A Guerra. Aliás, esta versão da série em parte já o começa a fazer. O que nos parece indiscutível é o grande contributo dado por Joaquim Furtado e a sua equipa para o avanço do conhecimento sobre estes conflitos.

Desde as origens remotas da guerra em Moçambique no massacre de Mueda até ao massacre de Wiriyamu, desde os contactos de Holden Roberto com Franz Fanon até à natureza sangrenta das disputas entre movimentos nacionalistas armados em Angola mas também em Moçambique, são muitas as novidades trazidas pel’A Guerra.

Estamos perante um trabalho que passa a ser indispensável para o estudo do maior esforço de guerra português desde a Primeira Guerra Mundial, e de algumas das mais significativas campanhas de contra-insurreição a nível global na segunda metade do século XX, nomeadamente por terem levado ao fim do último e mais durável dos impérios coloniais.

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