O “vendedor de sonhos” e de petições à Assembleia. A democracia também é dele

Apresentou várias petições ao Parlamento sobre diferentes temas. Já anda a pensar em sugestões para comemorar os 50 anos da revolução, dia que compara ao aniversário de uma pessoa. Como quando nasce alguém, também um país nasce para a liberdade. Este cidadão faz questão de ser livre e de participar.

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Estêvão Sequeira já está a pensar na forma de celebrar os 50 anos da revolução Rui Gaudêncio

Tudo começou porque queria levar a filha, pequenina, até à cabina de voto. Queria que visse o pai a votar, queria dar-lhe o exemplo. Mas tal não era possível, a menina ficava sempre à porta. Estêvão Sequeira, agora com 57 anos, decidiu então escrever à Comissão Nacional de Eleições. Daí até chegar à Assembleia da República foi um salto e das cartas passou às petições. Hoje em dia, e por saber que a democracia é de todos, não abdica de participar: não apresenta petições apenas no 25 de Abril ou por causa dele, embora a data seja simbólica da cidadania que o move; apresenta-as em várias alturas e sobre os mais variados assuntos. "A democracia é do povo”, diz.

A história com a filha aconteceu há cerca de uma década, tinha a miúda cinco anos. “Foi engraçada a exclamação dela: ‘Pai, quando é que [me] deixam [entrar]?’” Também ela queria ver o pai a fazer a cruz no boletim de voto. Mas não era possível. “Nessa altura escrevi uma carta ao presidente da Comissão Nacional de Eleições, que achou pertinente a minha exposição e incentivou-me a dirigi-la ao Parlamento. A verdade é que nunca consegui que a deixassem ir comigo à câmara de voto. Mas ela vai fazer 18 anos e poderá agora ir sozinha”, diz, bem-disposto.

Foi este episódio longínquo que o motivou a escrever petições individuais. O 25 de Abril é uma data especial, diz, mas como para este cidadão liberdade e democracia não se celebram só num dia, Estêvão Sequeira (consultor e auditor, que escolheu Miratejo para morar) também faz chegar as suas ideias ao Parlamento noutras alturas. Os temas são muitos, da educação à economia, passando pelos direitos humanos, em particular, por exemplo, pelos direitos dos imigrantes, entre outras áreas. Agora já está de olhos postos no futuro: quer fazer chegar aos deputados sugestões para as comemorações do 25 de Abril em 2024, gostava que as pessoas fossem ouvidas sobre as formas de festejar a data e que fosse feito um concurso de ideias.

Passar a ponte ao entardecer

Filho de pais goeses e nascido no Quénia, Estêvão Sequeira vivia em Maputo (então Lourenço Marques, Moçambique) quando se deu a Revolução dos Cravos. Veio para Portugal a 22 de Setembro de 1976, lembra-se de chegar a Lisboa, de atravessar a ponte, que agora se chama 25 de Abril, ficaram-lhe gravados os tons dourados desse final de tarde: “A coisa que mais lembro é de passar a ponte, ao entardecer, do pôr-do-sol.”

Estêvão Sequeira chama-lhe ponte da liberdade e, sobre o 25 de Abril, diz: “É uma data histórica, um marco na história de Portugal, um símbolo da liberdade. É talvez a data mais importante na actualidade para Portugal, é como o dia de aniversário de uma pessoa. Sou da opinião que, além de celebrações protocolares, há que comemorar com acções concretas, que confiram mais liberdade e que melhorem a democracia participativa.”

Quando a pergunta é o que o move a apresentar petições, que diz já terem sido cerca de uma dúzia, Estêvão Sequeira responde com a palavra cidadania (nunca quis filar-se em partidos): “As petições que fiz foram no âmbito de uma iniciativa de cidadania. Os políticos implementam estratégias, soluções. Eu sou um vendedor de sonhos, como um agricultor lanço sementes à terra, quem pode saber quantos frutos dará uma semente lançada à terra. Outros terão de a adubar, regar e acarinhar, para que floresça e dê fruto.”

É por isso que não se preocupa assim tanto em saber que resultados concretos tiveram os textos que já enviou à Assembleia da República. “Eu presto um serviço de cidadania, cabe à Assembleia da República decidir se são pertinentes e fundamentadas as sugestões que lhes encaminho pela via das petições”, diz, contando que também teve de aprender como funciona o Parlamento, quais as regras, como garantir que os documentos seguem o caminho certo. “Tenho tido algum feedback. Tive de reformular os primeiros pedidos, porque não preenchiam os requisitos para uma petição. Tenho aprendido com este caminho. Já fui convocado para algumas audições para clarificar questões específicas”, nota.

Com a Constituição da República Portuguesa debaixo do braço, conta uma história que encontrou num livro, durante uma viagem a Goa: “É sobre um rei que resolveu conhecer o seu país. Disfarçou-se e foi visitar o seu reino. Via as pessoas na conversa, a viajar, a passear… Às tantas, viu um velho a escavar uma horta e a tentar plantar qualquer coisa. Chegou ao pé do velho e perguntou-lhe: ‘Ó ancião, o que estás a fazer?’” O velho estava a plantar uma árvore que demora muito tempo a crescer, o que espantou o rei: “Para que estás a plantar isso se dificilmente vais ver os frutos dessa árvore?” Mas o velho respondeu-lhe que, se durante toda a vida tinha comido frutos de árvores que outros plantaram, era agora sua responsabilidade plantar árvores para que outros possam ter de comer.

É assim que Estêvão Sequeira gosta de ver as petições que escreve: como pequenas sementes. O que nascerá delas, isso não sabe, mas se nascer, acredita que alguém verá.

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