Melania Trump, a vida em segundo plano

A escritora e realizadora americana Kate Imbach analisou as publicações da primeira-dama dos EUA no Twitter e descobriu uma mulher fechada numa torre de livre vontade e encantada com a previsibilidade.

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Auto-retrato publicado no Twitter

Porque é que a primeira-dama dos Estados Unidos não aparece no trabalho? Porquê? Fiquei obcecada com esta pergunta e acabei por procurar respostas no historial do Twitter de Melania Trump. Reparei que, no período de três anos entre 3 de Junho de 2012 e 11 de Junho de 2015, publicou no Twitter 470 fotografias, que parecem ter sido tiradas por si. Examinei estas fotografias como se fossem o conjunto da sua obra.

Toda a gente tem olho, mesmo quem não se vê como fotógrafo. Aquilo que escolhemos fotografar e o enquadramento dos objectos revelam sempre um pouco da forma como vemos o mundo. Para alguém como Melania, formada pelos media, controlada e enclausurada, a sua colecção de fotografias no Twitter fornece uma perspectiva, normalmente indisponível, da realidade da sua existência. Não há nenhum sítio — certamente não em entrevistas ou aparições públicas — onde ela baixe tanto a guarda.

Que realidade é essa? Ela é Rapunzel sem príncipe nem cabelo, fechada numa torre de livre vontade e encantada com a previsibilidade e a repetibilidade do seu cativeiro.

Porque não mudar-se para a Casa Branca? Vejamos.

Ao longo de três anos, Melania só publicou uma fotografia de si própria com Trump. Ele domina a imagem; a cara dela está à sombra e recortada. É, ao mesmo tempo, uma selfie e um apagamento, uma representação do posicionamento dela dentro do mundo do casal.

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Melania publicou cinco fotografias de Trump com o filho de ambos. Tirou todas as fotografias por trás dos dois, por vezes literalmente a partir do banco de trás. Rapazes à frente, raparigas atrás — a mesma disposição que nos horrorizou tanto ver no dia da tomada de posse — é a norma para ela. Ela vive no segundo plano.

Se Melania vê a família a partir de trás, ela vê o resto do mundo desde cima. Publicou 74 fotografias da vista de sua casa na Trump Tower. Ela passa muito tempo em casa — ou, pelo menos, parece ser muito tempo, para alguém que tem mil milhões de dólares e um jacto privado — o suficiente para captar a mesma vista, vezes sem conta, em diferentes alturas do dia e estados meteorológicos, ad nauseam.

As fotografias da vista da Trump Tower têm uma passividade notável. Melania nunca alterou a composição destas paisagens, não lhes colocou nenhuma marca pessoal. A hora do dia muda, ela tira uma fotografia: mais nada. Há uma calma, uma espécie de segurança, nesta abordagem. A terra move-se à volta do sol, mas a fotógrafa está estável, na mesma posição exacta, dia após dia.

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Todos temos tendência a repetir as mesmas imagens na nossa fotografia. Isto faz parte de ter olho. Mas, sabendo o que sabemos agora — que estas fotografias foram tiradas por uma mulher que anda a fugir às responsabilidades de ser primeira-dama para processar [e ganhar] o Daily Mail devido aos danos que o jornal infligiu na sua “marca”, ao alegar que ela já tinha trabalhado como acompanhante de luxo; uma mulher que tem a lata de se recusar a sair de casa, apesar de essa recusa implicar um gasto anual de 50 milhões de dólares para o Estado, para cobrir as suas despesas de segurança —, estas fotografias assumem uma vertente mais negra. Elas parecem a documentação da mudança das estações feita por uma reclusa condenada. Que o mundo se desmorone à sua volta — ela não vai a lado nenhum.

Ainda mais negro é o facto de ela continuar ali hoje, olhando de cima para os outros a partir de sua casa na Trump Tower, como uma rainha.

Estas fotografias colocam outra questão: se uma pessoa passa a maior parte do tempo a olhar de cima, fisicamente, para o resto da humanidade, será que chega a um ponto em que aceita a sua superioridade como um facto?

Melania publicou 57 fotografias tiradas a partir do interior de carros. Inicialmente, parti do princípio de que as quinze fotografias do Central Park que ela publicou tinham sido tiradas a pé, dentro do parque — o que significava que ela saía para dar um passeio por entre as massas, de vez em quando.

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Nem pensar. Se olharmos com atenção, dá para ver que os ramos das árvores estão desfocados devido ao movimento do carro; as gotas de chuva não estão a cair, mas sim coladas ao vidro; e a luz do sol é refractada. A ideia que Melania tem de dar um passeio no parque é fazer uma viagem de carro.

Mas será que ela nunca sai à rua? Nem por isso, pelo menos tendo em conta o que publicou. Esteve em Washington D.C. e em Barcelona, mas também viu estes locais a partir do interior de carros.

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Foi muitas vezes a Mar-a-Lago, o lugar de férias mais sufocante do mundo, e a eventos culturais que apreciou a partir da segurança de camarotes e da primeira fila, a um custo muito elevado.

Num pequeno aparte, isto é um caranguejo-ermita e a única fotografia de um animal que Melania publicou, à excepção dos cavalos que competiam em corridas em Mar-a-Lago.

Esses caranguejos vão crescendo e à medida que vão crescendo lutam com outros para ocuparem cascas maiores abandonadas. Melania deve identificar-se com ele, não?

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Todos conseguimos imaginar a monstruosidade dourada da casa dos Trump, a partir das fotografias publicitárias (candelabros, um menino triste montado num leão de peluche, pilares dourados), mas, visto pelos olhos de Melania, é um lugar diferente. Ela tira fotografias dentro de casa a partir de ângulos esquisitos e assimétricos. É um efeito estranho, quando os objectos, cadeiras e tectos obscurecidos, são todos tão dourados. Parece o que veria uma menina aterrorizada, presa no castelo de contos-de-fadas de um ogre, quando se atreve a espreitar por entre os dedos.

Penso que a verdadeira razão por que estas fotografias têm uma composição tão estranha é que Melania pretendia que fossem uma actualização do seu estado para os seus seguidores, uma forma de dizer que estava a passar o serão em casa — mas, com receio de revelar ao mundo os detalhes do interior do lar, ela escolheu estes ângulos estranhos como forma de ofuscação.

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Ela faz a mesma coisa com as fotografias de si mesma.

Melania raramente publicou fotos de toda a cara. Quando o fez, ela esbateu-as, editando-as de tal forma que os contornos são quase imperceptíveis. Aqui, o seu nariz é pouco mais do que duas narinas.

Nas fotos onde se vê todo o rosto de Melania e ela não está esbatida, ela está disfarçada. Normalmente com óculos escuros, às vezes de chapéu.

Nas selfies em que não está esbatida nem disfarçada, ela recorta-se até ficar desfigurada. Que paradoxo! Ela é uma ex-modelo, uma figura pública, uma “pessoa extremamente famosa e conhecida”, uma mulher exposta – e só aguenta partilhar fotografias que a representam como um conjunto de partes desmontadas.

Por outras palavras, ela esconde-se, mesmo quando se apresenta.

As fotografias que Melania tirou ao filho são a parte mais fascinante da colecção. Ela escurece sempre o rosto dele, tal como faz com o seu, protegendo-o tal como se protege a si mesma. Ninguém diria que era ele.

As fotografias de Barron tiradas por Melania são quase todas compostas como nos exemplos acima. Ele está no centro de um grande horizonte, mar, campo de basebol, ou campo de golfe. Está sempre virado para outro lugar, longe da câmara, a olhar não apenas em frente mas para o exterior, para o futuro.

Aqui não há passividade. Barron é o actor. Ele está em movimento: a caminhar, a dar tacadas, a observar. Não enfrenta nenhuma das restrições que Melania coloca a si mesma. Não está atrás de ninguém, de nenhuma barreira, de nenhum vidro. Fotograficamente, ela compõe um mundo para o filho que é muito maior do que o dela.

Melania só publicou uma fotografia em que ela e Barron aparecem juntos. Também foi a única ocasião em que publicou uma fotografia de toda a cara dele, mas disfarçou-o da mesma maneira que se disfarça a si mesma, com a versão de menino dos seus óculos escuros gigantes: óculos de esqui.

A razão pública que Melania deu para ficar em Nova Iorque era que queria que Barron terminasse o ano lectivo. Não queria destabilizar a vida dele. Isto é um disparate, um absurdo que ela deveria ter tido em conta antes de apoiar a candidatura do marido à presidência.

Melania quer que o mundo de Barron seja maior do que o dela. Ele ocupa um espaço composicional completamente diferente, maior e mais vasto do que o dela. Também quer protegê-lo, creio eu, mais do que tudo. Para Melania, proteger significa esconder.

Melania publicou a 11 de Junho de 2015, cinco dias antes de o marido anunciar a candidatura à presidência, uma fotografia antiga de Barron com seis anos, tirada na praia. Ele está a olhar para o chão à sua frente e a dizer adeus a um castelo de areia construído profissionalmente, que está em segundo plano.

Nesse dia, Melania sabia certamente que a campanha estava a chegar. Em retrospectiva, a sua escolha para a publicação pode ser lida como uma profecia: um adeus às suas torres douradas, ao lar destinado a desmoronar-se. Até hoje, ela continua lá em cima, na torre dourada, agarrando-se a ela enquanto puder.

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Então, porque não mudar-se para a Casa Branca?

Ela está a esconder-se. Precisa tanto de se esconder que não se importa com mais nada. Nem com o seu país, nem com parecer mal, nem com o dinheiro que nos custa. Ela não tem vergonha porque, para ela, esconder-se não é vergonha. É seguro.

Ela vive atrás do vidro, em carros, em sua casa, em aviões privados e resorts privados. Ela nem sequer sai do carro para ver monumentos ou para dar um passeio no parque. Ela nunca está no meio do público, nem por um segundo.

Melania Trump é a mulher menos apta para o serviço público em todos os Estados Unidos da América. Não devemos esperar nada dela. Ela vive dentro de um conto de fadas negro e nos contos de fadas as mulheres presas em torres nunca salvam ninguém a não ser elas mesmas.

Tradução: Rita Monteiro

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