Três meses depois, termina o corte da Internet nos Camarões

Duas regiões de língua inglesa dos Camarões estiveram com o acesso cortado desde Janeiro para silenciar os protestos contra o poder central.

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Reuters/SIEGFRIED MODOLA

O Governo dos Camarões repôs os serviços de internet em duas das regiões de língua inglesa deste país africano maioritariamente francófono. O acesso à internet a cerca de 20% da população tinha sido cortado para silenciar protestos nas províncias do Sudoeste e do Noroeste, onde os slogans contra a discriminação pelo Estado central se aproximavam cada vez mais de uma declaração de independência. Desde 17 de Janeiro, quem quisesse enviar um email, fazer uma encomenda online ou protestar no Twitter tinha de percorrer dezenas de quilómetros até ao cibercafé mais próximo, do outro lado da fronteira com as regiões francófonas do país.

Antes do início do blackout, as autoridades foram avisando a quem utilizasse a internet para fazer circular informação falsa que poderia enfrentar penas de prisão. Depois de três meses de acesso cortado em que as comunicações e a economia dos Camarões foram profundamente afectadas, o Presidente Paul Biya decidiu voltar atrás na decisão e repor a circulação online.

Segundo relata a BBC, várias dezenas de pessoas reuniram-se nas ruas para festejar o regresso da Internet. Os cibercafés, que foram obrigados a encerrar, puderem abrir as portas novamente. Os estudantes, os trabalhadores do sector financeiro e os empresários que se dedicam às vendas online passaram também por um período difícil e têm igualmente razões para celebrar. O próprio jornalista que assina a peça para a BBC, Frederic Takang, conta que, durante o período de blackout, tinha de fazer uma viagem de quatro horas, em direcção às regiões vizinhas, sempre que pretendia enviar notícias aos seus editores.

Sobre a mais recente decisão, o Governo dos Camarões diz que se reservou ao direito de “tomar medidas para impedir que a internet se torne mais uma vez numa ferramenta para fomentar o ódio e a divisão entre os camaroneses”.

As notícias chegaram também às Nações Unidas que, através do representante especial do secretário-geral para a África Central, congratulou o volte-face dos Camarões. “Congratulo-me com esta medida”, afirmou François Louncény Fall, acrescentando que conta com “o Governo dos Camarões para continuar a promover o apaziguamento e o diálogo e tomar todas as outras medidas adequadas para uma resolução rápida e duradoura da crise de forma a reforçar a unidade, estabilidade e prosperidade nos Camarões”.

A medida surgiu na sequência de protestos iniciados em Novembro de 2016. A divisão linguística, que se repete em tantos países, não seria problemática se os camaronenses de língua inglesa não tivessem a percepção de que os seus concidadãos francófonos têm sido beneficiados política e economicamente desde a independência. As regiões de língua francesa, acusam, têm recebido uma parcela proporcionalmente superior do investimento público. Para agravar a situação – e é isto que gera a actual crise –, professores e magistrados francófonos têm sido destacados em massa para as regiões anglófonas, onde as escolas e os tribunais herdaram sistemas e leis da era colonial britânica, enquanto poucos camaroneses de língua inglesa chegam aos mais elevados patamares da administração central na capital Iaundé, onde a lei e a burocracia são de tradição francesa.

Várias pessoas morreram e centenas foram detidas na repressão aos protestos, mas as notícias começaram a chegar cada vez mais a conta-gotas perante a cortina virtual estendida sobre as duas regiões de língua inglesa. Entretanto, o corte da Internet, condenado pelas Nações Unidas, que em 2016 declarou o acesso à rede como um direito humano elementar, e denunciado por personalidades como Edward Snowden, isolou um quinto dos camaroneses e asfixiou os sectores mais inovadores da economia do país. “Isto é o futuro da repressão”, alertou na altura o antigo agente da NSA. “Se não o combatermos ali [nos Camarões], chegará aqui”, advertiu.

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