Falta de entrega de declarações de rendimentos pode ser crime

Partidos inclinados a criar uma Entidade da Transparência na alçada do Tribunal Constitucional. Enriquecimento injustificado pode vir a ser abrangido na nova lei do controlo de riqueza dos políticos e equiparados.

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Enric Vives-Rubio

O Parlamento pode vir a classificar como crime de desobediência qualificada a não entrega das declarações de património e rendimentos a que estão obrigados os titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, admitindo mesmo a perda de mandato como forma de punir quem não cumpra essa obrigação ou o faça de forma insuficiente.

Esta é uma das medidas mais consensuais entre as muitas já apresentadas pelos partidos no âmbito da Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas, que esta quinta-feira teve e a sua primeira reunião plenária, após seis meses de trabalhos à porta fechada, apenas com os membros da mesa e coordenadores.

As propostas foram agora vertidas para um só documento – o anteprojecto de Lei do Controle Público e Regime Sancionatório dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos –, ainda que haja muitas propostas de alteração de todos os partidos, pelo que, verdadeiramente, a discussão só agora vai começar. E vai abranger matérias sensíveis como as incompatibilidades e impedimentos dos políticos, em especial aqueles que são advogados ou membros de sociedades de advogados, mas também propostas novas como a regulamentação do lobbying ou o a criação de um código de conduta para os deputados.

Como disse o coordenador do PS na comissão, Pedro Delgado Alves, “nunca tinha sido feita uma revisão sistemática destas matérias e havia cacofonia legislativa e dificuldade de aplicação”, pelo que o anteprojecto agora apresentado servirá como “uma grelha em que é possível pendurar cada um dos temas em presença”.

Mas já há ideias que fizeram o seu caminho, como a criação de uma Entidade da Transparência a funcionar na alçada do Tribunal Constitucional, originalmente apresentada pelo Bloco de Esquerda mas que ganhou adeptos noutros partidos. A ideia ainda não está totalmente definida – não é claro, por exemplo, se poderá absorver a Entidade das Contas e Financiamento dos Partidos -, mas integra-se na linha de simplificação e clarificação que a comissão quer imprimir a estas matérias. E que passará também pela criação de um documento único para todas as obrigações declarativas a que estão sujeitos os políticos e equiparados, ou seja, juntar num só documento e numa só base de dados todas declarações de património e rendimentos e as declarações de interesses.

Essa base de dados poderá também ser digital, para permitir o acesso a qualquer interessado, estando ainda por discutir que informações poderão ser tornadas públicas e quais as que se manterão sob reserva. E servirá também para uma “efectiva fiscalização” das variações de riqueza dos políticos e equiparados.

Aliás, é através deste meio que alguns partidos querem tornar efectiva a criminalização do rendimento injustificado, agora chamado não declarado, uma pretensão antiga de PSD, BE e PCP já rejeitada pelo Tribunal Constitucional

Por outro lado, a tendência geral dos partidos vai também no sentido de alargar o âmbito das funções sujeitas a estas obrigações declarativas, desde logo a membros e consultores dos gabinetes do Governo e das autarquias locais, mas também, como propõe o PSD, a órgãos de direcção executiva de partidos políticos, candidatos à Presidência da República e orgãos do sector empresarial local.

Seis meses à porta fechada motiva protesto

A comissão é de Transparência, mas durante seis meses fez 13 reuniões à porta fechada, apenas com os deputados da mesa e coordenadores de cada partido. Nem os deputados que a integram tiveram acesso aos trabalhos ou sequer aos documentos ali produzidos.

“Um processo inédito e muito pouco transparente”, acusou o deputado Paulo Trigo Pereira, num protesto verbal no início da reunião. “Que tivesse havido um trabalho inicial e se fizesse um anteprojecto, plenamente de acordo. Mas estou em desacordo que a 5 de Janeiro enviasse apenas para os coordenadores o anteprojecto, o que me leva a pensar o que é que nós, deputados de base, andamos aqui a fazer”, afirmou.

O presidente da comissão Fernando Negrão (PSD) tinha justificado esta metodologia com “questões processuais” e com o trabalho de sistematização das propostas, que afinal estava pronto desde Janeiro. Em resposta a Trigo Pereira, disse apenas que “não foi possível” fazer mais cedo.

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