Mais de uma década a seguir as doenças reumáticas vale Grande Prémio Bial Medicina

Jaime Branco apresentou o primeiro estudo epidemiológico das doenças reumáticas em Portugal. A “fotografia” transformou-se num “filme” para analisar outras doenças crónicas e avaliar a relação da saúde com os estilos de vida.

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O médico reumatologista Jaime Branco Miguel Manso

Durante a última década, o médico reumatologista Jaime Branco foi também motorista, gestor, mecânico, técnico, psicólogo, assistente social, entre outros ofícios que a missão lhe exigiu. O projecto sobre doenças reumáticas que coordena desde 2006 e que resultou na “primeira e única” fotografia da realidade destas patologias no país levou-o para o terreno numa viagem que durou mais de dois anos. Valeu a pena, garante o professor na Faculdade de Ciência Médicas da Universidade de Lisboa (Nova Medical School), que venceu o Grande Prémio Bial Medicina, no valor de 200 mil euros, que será entregue esta sexta-feira.

“A fotografia das doenças reumáticas na população portuguesa já se transformou num filme sobre doenças crónicas”, avisa Jaime Branco, logo no início da conversa com o PÚBLICO. A fotografia de que fala é o estudo epidemiológico sobre doenças reumáticas (EpiReumaPt) que envolveu mais de dez mil pessoas revelando “milhões de dados”. Com este levantamento “único e nunca antes feito em Portugal”, foi possível perceber, por exemplo, que 56% da população portuguesa tem queixas reumáticas, 35% não sabe que tem uma doença reumática e que apenas 22% tem um diagnóstico. São pessoas que Jaime Branco e a equipa que trabalhou no projecto encontraram nas cidades e no interior do país, no continente e nos dois arquipélagos, com dores no corpo. Sintomas que cabiam no enorme “chapéu” das doenças reumáticas que serve a cerca de 120 patologias diferentes, sem falar nos subtipos.

A “fotografia” do EpiReumaPt mostrou também que são as mulheres que mais sofrem com estas doenças – as mais frequentes são osteartrose e a lombalgia –, que se manifestam mais por volta dos 60 anos de idade. “A artrose é a doença humana mais frequente”, lembra o médico, precisando que em alguns países menos desenvolvidos poderá ser ultrapassada apenas pela cárie dentária. O estudo permitiu identificar uma elevada prevalência de patologias articulares inflamatórias, estimando-se que cerca de 63 mil portugueses sofram de artrite reumatóide e cerca de 141 mil sofram de espondilartrites. O estudo, que se centrou em 12 das principais doenças reumáticas, permitiu também constatar que os doentes com estas patologias apresentam sintomas de ansiedade e depressão com mais frequência do que a população portuguesa em geral.

Explorar o "robusto barómetro"

“O sonho de uma geração, uma década de trabalho”, foi o título do texto de candidatura ao Prémio Bial que Jaime Branco sabia que podia ganhar. “Foi mais de uma década de trabalho que teve vários momentos”, refere, lembrando que o trabalho no terreno começou a 19 de Setembro de 2011 e só terminou a 20 de Dezembro de 2013. Foram mais de dois anos de muitos quilómetros percorridos pela carrinha, que foi adaptada para transportar a bordo um aparelho de raios X e outros equipamentos, e da identificação nos lares de uma população de dez mil pessoas. Deste grupo, cerca de quatro mil foram encaminhadas para consultas com reumatologistas nos centros de saúde. Jaime Branco aproveita para lembrar que, além do apoio financeiro de várias entidades este projecto de 1,6 milhões de euros, o EpiReumaPt contou ainda com o “total empenho a título gracioso” de mais de uma centena de reumatologistas em todo o país.

Mas o trabalho não acabou com a “fotografia” das doenças reumáticas em Portugal. Segundo Jaime Branco, este projecto teve implicações políticas, ajudando a redesenhar a rede de especialidade hospitalar e de referenciação da reumatologia em Portugal em 2015, e outras. A nível académico, os dados conseguidos e as inúmeras correlações possíveis já produziram mais de 50 artigos científicos, teses de doutoramento e mestrado. Os trabalhos de investigação tentaram aprofundar as pistas que o estudo epidemiológico revelou como, por exemplo, a relação destas patologias com um aumento do risco de depressão.

Por fim, a fotografia transformou-se no tal filme que Jaime Branco referia no início da conversa com o PÚBLICO. O filme, explica o médico, é o resultado de um esforço para alargar o projecto a um mundo ainda mais vasto das doenças crónicas. O projecto, ou filme, EpiDoc vai apoiar-se no “robusto barómetro” da amostra populacional usada pelos investigadores para as doenças reumáticas e vai “alargar o espectro das questões”. A equipa vai agora avaliar doenças crónicas como as diabetes, hipertensão, doenças cardíacas, bem como analisar o impacto na saúde dos estilos de vida – a nutrição e exercício físico – e das desigualdades sociais.

Imunoterapia e osteoporose

Esta é a 17.ª edição do prémio bienal do grupo farmacêutico português que quer, desta forma, “incentivar a pesquisa médica e divulgar obras de grande repercussão na área da investigação em saúde”. Além do grande prémio, no valor de 200 mil euros, é também atribuído o Prémio Bial de Medicina Clínica, no valor de 100 mil euros, ao trabalho da médica Maria de Jesus Dantas e da sua equipa que apresenta novas e simples soluções para tratar o problema do pé diabético (ver texto ao lado).

A Bial atribui ainda duas menções honrosas, no valor de 10 mil euros cada. Bruno Silva Santos, investigador e vice-director do Instituto de Medicina Molecular de Lisboa, ganhou uma destas menções pelo desenvolvimento de uma nova estratégia de imunoterapia do cancro. O trabalho consistiu em identificar uma população de linfócitos T, que é capaz de reconhecer e destruir células tumorais, que depois foi alvo de uma manipulação no laboratório com o objectivo de tornar estes linfócitos ainda mais eficazes na destruição de um tumor, optimizando a sua função.

José António Pereira da Silva, da Universidade de Coimbra, também mereceu uma menção honrosa pelo projecto de investigação que coordenou na área da osteoporose em Portugal e que resultou numa nova ferramenta para as decisões médicas sobre o melhor tratamento. O investigador apresentou um livro, que escreve na primeira pessoa do plural para reconhecer a contribuição de muitos outros investigadores, com os resultados de quatro anos de trabalho dedicados à prevenção de fracturas osteoporóticas. Além de revelar a realidade actual nesta área e de avaliar os custos deste problema de saúde que ajudaram a definir níveis de risco para os tratamentos, os investigadores também apresentam uma ferramenta que é capaz de identificar as pessoas em maior risco de fractura.

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