Silêncio que se vai encenar o país

Nas próximas quatro noites, o Cineteatro Constantino Nery vai ser um sótão clandestino. O Grande Tratado da Encenação abre a trilogia do Teatro Experimental do Porto sobre a juventude insubmissa que mudou a História de Portugal.

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Três jovens, duas raparigas (Sara Barros Leitão e Catarina Gomes) e um rapaz (Paulo Mota), recusam-se a deixar que o elefante que ocupa as salas de estar do país inteiro durante o Estado Novo ponha sequer uma pata dentro do pequeno sótão onde se trancaram. Vera, Ilda e Mário fecharam a porta na cara do regime e agora vão encenar o país, tal qual gostariam que ele fosse.

Como tantos outros, fazem parte da juventude inquieta e instruída que queria estar à altura do que se passava para lá dos Pirinéus, quando finalmente se pudessem abrir as portas por cá. Mas para pôr em cena uma revolução no Portugal dos anos 50 não chegam três encenadores quase às escuras, rostos acesos por cigarros que inflamam a sua condição de adolescentes. Ou então sim. Uma noite, escondidos num sótão à margem da censura e inspirados por textos de autores franceses e espanhóis, os três jovens entretêm-se a projectar o sonho de um país novo num Grande Tratado, que não é mais do que um guia para pôr em cena uma peça de teatro monumental.

Esta juventude insubmissa que está no palco, e que existe em todas as gerações, representa o grupo que criou o Teatro Experimental do Porto (TEP), um conjunto de médicos, advogados e artistas unidos na oposição ao regime fascista que se debruçavam em longas discussões sobre cultura, arte e política, em sótãos como aquele que constitui o cenário da peça.

O Grande Tratado da Encenação é uma homenagem, e simultaneamente um ajuste de contas, ao Pequeno Tratado de António Pedro, um dos fundadores do TEP que em 1962, quando editou o manual, não lhe chamou grande por pura modéstia, defende o encenador da peça (e, desde 2013, director artístico da companhia), Gonçalo Amorim.

As leituras e as discussões dos encontros no sótão podem evocar “uma tertúlia com três jovens burgueses do Porto dos anos 50” ou mesmo “o primeiro curso de teatro de António Pedro, em que estes jovens estão a fervilhar com as ideias”, explica Gonçalo Amorim. Certo é que, seja como for, vivem “descontentes com o teatro que vêem e descontentes com o país que têm”, mas ainda têm a energia necessária para perder muitas noites de sono a querer mudar o mundo.

Uma obrigação genealógica 

A trilogia sobre o papel dos jovens na História da revolução que a companhia inicia nesta peça em cena de quinta-feira até domingo no Cineteatro Constantino Nery, em Matosinhos, impõe-se quase por obrigação da sua “árvore genealógica”, constata Gonçalo Amorim. O texto, que escreveu em conjunto com o dramaturgo Rui Pina Coelho, um colaborador habitual da companhia, surgiu a partir de longas conversas que teve com a sua mãe, Manuela Juncal, sobre o movimento internacional “que lançou nos campos e nas fábricas” uma revolução de inspiração maoísta. Era a geração desiludida com o “comunismo e com o socialismo soviético” que encontrou inspiração na China de Mao Tsé-Tung.

Já nascido no Portugal democrático, Gonçalo Amorim percebeu que estes ideais de mudança eram fortíssimos, mas ao mesmo tempo "pueris". Há uma inocência na luta destes jovens que de repente se manifesta nas dúvidas, nas atracções e na arrogância típicas da juventude, e que o encenador fez questão de mostrar no palco. Para isso escolheu jovens actores, que, não tendo vivido a revolução, recorreram aos arquivos do TEP e à Ephemera, a biblioteca de Pacheco Pereira.

A juventude dos anos 50 é a primeira das três gerações a estar em cena na trilogia do TEP sobre os jovens e a História de Portugal. A Tecedeira que Lia Zola é a peça seguinte, sobre a tal geração dos anos 70 que “partiu para os campos e para as fábricas” com as bagagens carregadas de livros, e chega em Outubro ao Teatro Municipal do Porto (TMP). A Maioria Absoluta, o último capítulo da trilogia que quer pôr os jovens de agora a pensar, também terá estreia no TMP, em Março do próximo ano. Fala dos anos 90, quando Gonçalo Amorim, que encena as três peças, era um dos jovens que acreditavam que ainda havia muito para “desengravatar” em Portugal. E ainda acredita, como começa a mostrar nas próximas três noites, às 21h30, e na tarde deste domingo, às 16h, em vésperas de mais um aniversário do 25 de Abril. 

Texto editado por Inês Nadais

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