A infância do comunismo

Filmar “revolucionários” tem sido preocupação de Raoul Peck. O seu cinema, contudo, tem pouco de revolucionário.

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Pode-se passar uma vida a imaginar Karl Marx como o homem de cabeleira branca que consta da sua efígie mais célebre, mas a verdade é que ele mal tinha 30 anos quando publicou o primeiro dos seus escritos mais decisivos, o Manifesto Comunista. Que foi, portanto, obra de um “jovem Karl Marx”, tanto como de um “jovem Friedrich Engels”, dois anos mais novo do que Marx, e algo injustamente apagado do título filme de Raoul Peck, que é tanto sobre um como sobre o outro. O momento da publicação do Manifesto, logo à seguir à transformação da “Liga dos Justos” em “Liga Comunista”, é o ponto em que termina a acção de O Jovem Karl Marx, que começa no momento em que Marx e Engels se conhecem pessoalmente e travam amizade.

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A história do filme, no curto período coberto, é a história da sua luta por conferir uma substância teórica e filosófica sólida às suas ideias políticas (por oposição ao romantismo ingénuo, talvez mais ingénuo no filme que na realidade, de outras figuras históricas igualmente retratadas), ao mesmo tempo que se desenha um percurso pelos círculos “revolucionários” de meados do século XIX, especialmente no eixo Paris/Londres.

Filmar “revolucionários” tem sido uma preocupação do haitiano Raoul Peck, que tem no currículo biopics de Patrice Lumumba e recentemente deu que falar com o documentário I Am Not Your Negro, sobre James Baldwin.

O seu cinema, contudo, tem pouco de revolucionário – é a “linha branca” do filme de época, em duelo constante com a propensão para a rigidez e para o cliché de representação, apenas marginalmente (mas, concedamos, satisfatoriamente) superada pelo estilo enérgico dos actores (August Diehl como Marx, Stefan Konarske como Engels), que se comportam com uma panache, digna de jovens rockers, capaz de quebrar a solenidade histórica das figuras que encarnam (o que já não acontece, por exemplo, com o Proudhon de Olivier Gourmet, hirto como uma figura de cera alugada a um museu), e por um argumento que é capaz de dar um contexto pessoal (as relações de Marx e Engels com as famílias e as mulheres) equilibrando-o bem com a densidade política e filosófica de certos diálogos e debates (embora as figuras opositoras nunca ultrapassem a caricatura do capitalista desalmado).

Ficando-se pela sobriedade histórica e pelo Manifesto, Peck acrescenta, antes do genérico final, uma coda (ao som do Like a Rolling Stone de Dylan, singular escolha: ninguém pode ter a certeza de que aquela canção fale sobre a “revolução”, ou que seja “política”), onde desfila o século XX, da revolução russa a Mandela, como um flash-forward destinado a ilustrar a perenidade de uma cultura revolucionária. Era escusado: vem trazer um espírito de agit-prop, simplória e “MTV”, a um filme que até então soubera fazer repousar a sua dimensão política na letra, rigorosa e material, das palavras dos seus dois protagonistas.

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