A reforma da floresta

A reforma da floresta valiosa será aquela que venha a conseguir voltar a dar rendabilidade aos proprietários e isso é difícil de encontrar por agora.

A vida política não comporta, habitualmente, os conceitos de justiça. Com essa circunstância nos demos sempre mal. É exatamente por isso que cumpre agradecer ao ministro da Agricultura e ao secretário de Estado das Florestas as propostas recentes sobre a reforma da floresta.

Olhamos Ortega y Gasset para consagramos a circunstância, para verificarmos o tempo político, o tempo mediático e o tempo económico e constatarmos da dificuldade em ir mais longe. Porém, o hoje não limita o amanhã e a reforma da floresta voltará, não tarda, ao acerto entre partidos.

Uma reforma, que não o somatório de leis porque estas não têm pernas, deveria ter leituras assentes em visões de curto, médio e longo prazo, assumir uma estratégia que perdurasse. Se há política de longo prazo que ainda se avoca é mesmo a da floresta. Porque o investimento só se revela em dezenas de anos, porque a questão fundiária só se altera em gerações, porque a recuperação do simbolismo do agroflorestal, em tempo de normalização, só se assume numa visão da educação desde o berço.

O curto prazo é o que se prende com o impacto dos incêndios florestais e como se articulam os eixos do sistema. Se na prevenção operacional e no combate o país teve avanços significativos, a prevenção estrutural ainda não verá o ganho de dimensão e qualidade que importa. Ou seja, as 20 novas equipas de sapadores e os meios para a “operação do fogo prévio” ficam aquém do que já em tempos se iniciou, um verdadeiro dispositivo integrado, com autoridade e com objetivos. Também no curto prazo importa perceber a incorporação da tecnologia na prevenção, o benefício/penalização fiscal das operações de gestão e a recuperação das áreas ardidas. Importaria não passar por cima das obrigações de cada dia que competem aos proprietários e ao Estado. Para além disso, a visão moderna da valorização da floresta não se pode fazer sem a colocação amigável da sua importância para cada cidadão. A guerra comunicacional massificada pela defesa da floresta é uma obsessão que o ministério respetivo deve assumir entre outubro e maio, para dar lugar à proteção civil nos restantes tempos.

O médio prazo é a ponderação do valor económico. Nenhum proprietário olhará para o seu território se não tiver um resultado que seja entendível, mensurável. Ora, uma reforma global deve comportar o papel dos montados, o papel do pinho e o papel do eucalipto, incluindo a leitura interprofissional. Mas também deve comportar os produtos e recursos da floresta, cada vez mais importantes e cada vez mais significativos nas economias locais. Poucos assumem esta vertente como relevante, como também tem acontecido com a valorização energética que deve observar cuidados máximos perante a ambição da “renda garantida” dos promotores.

A fileira que mais atacada está, a do pinho, não encontrou qualquer caminho visível e optou-se por imolar a do eucalipto. É, aliás, por isso que o avanço clandestino do eucalipto, negando a certificação, se fará sentir e o preço corrente pago pelas celuloses será ainda mais baixo. A fileira do pinho, outrora tão relevante pelo seu ecletismo, vive tempos difíceis, resultado da crise na construção, dos sucedâneos na logística, da ausência de regulação dos mercados e intervenção nos preços, da sua pulverização e arcaísmo nos modelos de negócio e ainda das questões fitossanitárias. Os 35 euros/ton, que as pellets pagam, são uma exploração “mineira” nefasta a prazo. Ou seja, a reforma da floresta valiosa será aquela que venha a conseguir voltar a dar rendabilidade aos proprietários e isso é difícil de encontrar por agora.

Nesse sentido, o nosso país precisa de reponderar as linhas de investimento que os quadros europeus concedem. Ao olhar para o Programa de Desenvolvimento Rural poderemos dizer que a floresta é um parente pobre, que a consignação de recursos financeiros se afirma numa espécie de papel químico perante cada folha escrita no passado. Há interesse e coragem para ter uma leitura que não seja “arcaizante” dos fundos? 

Por último, nesta verificação rápida, a visão de longo prazo. O problema do cadastro não é o alfa e o ómega de qualquer política. Sim, o nosso país não conhece muitos dos seus prédios e desconhece quem são os seus atuais proprietários. Mas não é verdadeira a ideia de que haja mais de um milhão de parcelas sem dono. O Estado conhece a propriedade através dos registos prediais, das inscrições fiscais, do parcelário, do inventário das zonas de caça, do levantamento das Zonas de Intervenção Florestal (ZIF), dos censos das Organizações de Produtores Florestais… Tudo somado, em base tecnológica segura e com equipa mínima de geógrafos, silvicultores, agrónomos e agentes tributários, poderia fazer poupara muitos anos e muito dinheiro. Mas não foi este o caminho…

Por outro lado, as inovações relativas à administração das ZIF’s e às entidades de gestão florestal podem não conceder, só por si, novas dinâmicas. Claro, se se tornam mais amigáveis os critérios para a formalização dessas administrações e dessas entidades haverá um primeiro impacto positivo como já aconteceu em 2009. Acontece que o grande problema destes entes é a inexistência de uma leitura de mercado por parte das entidades públicas e uma excessiva preponderância da subsidiodependência. Faltou, por agora, uma inovadora reforma do arrendamento florestal que, aí sim, permitisse encontrar as dimensões certas para a valorização económica do território e um National Trust que abrisse os novos mundos da economia florestal.

No final, concluindo a visão de longo prazo, importa assumir uma estratégia para os terrenos públicos e para os terrenos comunitários. O país tem sido permanentemente assaltado na gestão das propriedades públicas e tem sido um mau co-gestor das propriedades comunitárias. Ora, o programa público de gestão florestal dos pinhais e dos parques não podia ficar de fora deste tempo. Mas ficou!

Este é o quarto tempo de reinvenção das obrigações que se parqueiam no Ministério da Agricultura. O primeiro ficou marcado com a “lei de bases”; o segundo, com a reforma pós-incêndios de 2003; e o terceiro, com a reforma pós-incêndios de 2005. Mas o que é incrível é que o país ainda tem, em vigor, leis estruturantes da floresta que são dos primeiros cinco anos do século XX. Sim, dos primeiros anos do século XX. As tentativas, em 2009, de promover a atualização do património jurídico da floresta pararam na ausência de ambição. E essa ambição é tão necessária hoje como sempre foi. Faltou por isso e por agora um novo Código Florestal. Mas o enquadramento parlamentar atual, principalmente a demissão programática do PSD, nunca permitiria a consagração total e absoluta da modernidade.

O autor escreve segundo as normas do Acordo Ortográfico

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