Míssil norte-coreano que foi piada na Internet esconde verdadeira ameaça

EUA lançaram uma ciberguerra contra a Coreia do Norte há três anos para sabotar lançamentos, mas Pyongyang está cada vez mais perto de fabricar um míssil de longo alcance.

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Teste com míssil norte-coreano em 2016 EPA/KCNA (Arquivo)
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Parada militar realizada no sábado passado HOW HWEE YOUNG/EPA
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O líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un Damir Sagolj/Reuters
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Donald Trump deixou implícito que atacará a Coreia do Norte se o país testar um míssil de longo alcance ou se fizer um novo teste nuclear Yuri Gripas/Reuters
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Porta-aviões Carl Vinson a caminho da península coreana EPA/Marinha dos EUA

Assim que se soube do falhanço num teste com um míssil norte-coreano, no domingo, a Internet agarrou-se mais uma vez à barriga de tanto rir e lançou uma saraivada de GIFs e vídeos para ridicularizar o desejo de Kim Jong-un de ser visto como uma ameaça credível. Mas do outro lado da fronteira, na Coreia do Sul, e também nos Estados Unidos, os especialistas em armamento há muito que têm poucos motivos para sorrir – apesar da ciberguerra norte-americana, a Coreia do Norte tem aprendido a uma velocidade quase sem paralelo, com os sucessos e com os falhanços.

Os ataques informáticos entre vários Estados são mais frequentes hoje em dia do que os duelos até ao final do século XIX, mas as ofensivas em larga escala, com alvos específicos e concretizadas por hackers a mando dos governos são mais raras – o maior exemplo é o ataque que teve como alvo o programa nuclear iraniano, entre 2009 e 2010, e que vários especialistas dizem ter sido lançado por Israel e pelos Estados Unidos

Em 2014, o então Presidente norte-americano, Barack Obama, deu ordens ao Pentágono para acelerar o desenvolvimento do seu arsenal de ataques informáticos. Segundo uma investigação do jornal The New York Times, a Casa Branca tinha concluído que o sistema de defesa antimíssil dos EUA estava erradamente assente nos métodos tradicionais: a ideia de lançar um míssil para destruir outro custou aos cofres norte-americanos 300 mil milhões de dólares nos últimos 60 anos, e o analista Gordon Chang afirma que os testes feitos no Alasca e na Califórnia revelam uma taxa de sucesso inferior a 50%.

A ideia de Obama era fortalecer o braço mais fraco do sistema de defesa antimíssil – ataques informáticos e electrónicos com o objectivo de sabotar os mísseis norte-coreanos antes ou durante o lançamento.

Não há relatórios públicos sobre a taxa de sucesso dessa ordem de Obama, até porque é tecnicamente impossível saber se um míssil norte-coreano explodiu logo após o lançamento por causa de algo que os EUA tenham feito, ou se o falhanço ficou a dever-se a um ou vários factores não relacionados, como problemas na tecnologia utilizada ou na construção dos mísseis. Segundo o The New York Times, 88% dos testes com o míssil de médio alcance Hwasong-10 (conhecido no Ocidente como Musudan) redundaram em falhanço após a decisão de Obama – mas também é verdade que, segundo os registos disponíveis, o Musudan só foi testado pela primeira vez em 2016, e os sete falhanços em oito tentativas podem fazer parte do processo normal de desenvolvimento.

Seja qual for o motivo que levou o míssil balístico norte-coreano a explodir logo após o lançamento, no domingo passado, faltam dois passos essenciais para que o regime de Kim Jong-un possa transformar-se numa verdadeira ameaça ao território continental dos EUA, cada uma delas com vários obstáculos próprios – o desenvolvimento bem-sucedido de um míssil balístico intercontinental e a capacidade de reduzir uma ogiva nuclear a um tamanho que possa ser transportada pelo projéctil.

Como o míssil lançado no domingo explodiu em pouco tempo, é quase impossível perceber qual era o seu alcance projectado – na prática, é impossível afirmar se se tratou de um primeiro ensaio com um míssil de longo alcance ou de um teste de outro tipo de míssil menos recente, como o Musudan. E o Musudan "não altera a natureza da ameaça da Coreia do Norte contra alvos dos EUA ou do Japão", escreveram Ralph Savelsberg e James Kiessling no blogue 38 North em Dezembro. "O existente arsenal de mísseis derivados do R-17 ou a tecnologia adaptada dos Scud ao [míssil] Nodong já ameaça toda a Coreia do Sul e a maior parte do Japão", explicam.

Mas as simulações feitas por Savelsberg e Kiessling indicam que os progressos feitos pelos norte-coreanos até podem passar uma imagem de lentidão, mas estão lá e parecem estar no bom caminho para Pyongyang: "A grande diferença é que o Musudan ameaça Taiwan e a China continental. No entanto, também mostra que a Coreia do Norte consegue adaptar uma parte da tecnologia do [míssil soviético] R-27. E esta capacidade de adaptação tem consequências para o desenvolvimento de mísseis de maior alcance", alertam os especialistas.

Quanto ao nuclear, a preocupação em Washington é o progresso que a Coreia do Norte fez na última década para conseguir colocar uma ogiva num míssil de longo alcance. Ouvido pelo The New York Times, o professor Siegfried S. Hecker, ex-director do laboratório de Los Alamos (onde nasceram as primeiras bombas atómicas), deixou um aviso que dificilmente será tratado como uma piada na Internet: "Eles fizeram cinco testes nucleares em dez anos. Pode aprender-se muito nesse tempo."

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