Navios afundados da Primeira Guerra Mundial revisitados em 3D

A organização britânica Maritime Archaeology Trust quer reavivar a memória da Primeira Guerra Mundial e, para isso, está a criar uma base de dados com a reconstituição tridimensional de navios.

O navio <i>Gallia</i> afundado em 1917
Fotogaleria
O navio Gallia, afundado em 1917 por um submerino alemão ao largo de Inglaterra Maritime Archaeology Trust
Fotogaleria
Popa do navio afundado na Madeira Maritime Archaeology Trust

Naquela segunda-feira, o dia estava agradável na ilha da Madeira e o britânico Brandon Mason decidiu mergulhar perto da marina do Funchal. Tinha ido à Madeira com os colegas do Maritime Archaeology Trust, uma organização de protecção de património marítimo, para a 3.ª Conferência Europeia de Mergulho Científico. Chegou um dia antes, por isso foi mergulhar, porque sabia que ali perto iria encontrar um navio afundado.

Brandon Mason é o coordenador do projecto Naufrágios esquecidos da Primeira Guerra Mundial, desenvolvido pelo Maritime Archaeology Trust para reconstituir em 3D os navios da Primeira Guerra Mundial. Afinal, de 2014 a 2018 assinalam-se os 100 anos do conflito.

Foto
Proa do navio afundado na Madeira Maritime Archaeology Trust

“O objectivo é trazer para a consciência pública o grande sacrifício de homens e mulheres durante a Primeira Guerra Mundial. Esse sacrifício está muito presente nos navios naufragados”, explica Brandon Mason, que está a criar uma base de dados com os navios. Além disso, a organização pretende contar as histórias destes navios.

O Naufrágios esquecidos da Primeira Guerra Mundial é financiado em cerca de um milhão de euros pelo Heritage Lottery Fund, destinado a projectos de arqueologia no Reino Unido. Começou em 2014 e os resultados serão divulgados entre Junho e Julho de 2018. Para já, estão disponíveis online alguns navios e objectos naufragados. Durante estes quatro anos, têm participado voluntários de mergulho. E, além de exposições em museus, os responsáveis do projecto têm feito apresentações em escolas britânicas.

Todos estão “convidados” a fazer parte do projecto através do seu site. Quem quiser também identificar os navios da Primeira Guerra Mundial tem guias em bases de dados na Internet.

Um naufrágio na Madeira?

“Frequentemente, a guerra no mar é um dos elementos esquecidos da Primeira Guerra Mundial”, lê-se no site. Há poucos livros que registaram esta guerra por mar. Mas a verdade é que, entre navios de guerra, navios de pesca, navios auxiliares e navios de mercadorias, houve um total de 4223 afundamentos durante a Primeira Guerra Mundial.

Ao todo, o projecto já tem 2097 sítios registados na sua base de dados e, em 1101 desses sítios, há navios afundados na Primeira Guerra Mundial no Reino Unido, em França e na Bélgica. O mergulho de Brandon Mason e dos colegas já permitiu incluir a Madeira entre os sítios registados na base de dados (o primeiro em Portugal). Quanto ao navio afundado, pode ter ou não naufragado na Primeira Guerra Mundial.

Quais são as dúvidas? Ora voltemos ao primeiro dia de mergulho. Aí, os mergulhadores desconfiaram que seria o Pronto, um navio alemão. Mas essa identidade tinha-lhes sido fornecida por mergulhadores do centro de mergulho Scuba Madeira, pois aquele era um navio conhecido dos mergulhadores da ilha.

Dois dias depois do primeiro mergulho, já na apresentação do projecto na conferência de mergulho científico, no final de Março, Brandon Mason revelava que o navio na Madeira ia fazer parte da base de dados do projecto. Nem todos os sítios incluídos na base de dados têm navios da Primeira Guerra Mundial, mas esta é uma maneira de se saber o que está debaixo de água.

“Mas só vamos poder saber mais quando, em Abril ou Maio, fizermos uma pesquisa nos arquivos em Londres.” E aí, se se confirmar que este navio é um naufrágio da Primeira Guerra Mundial, além da base de dados, integrará os navios do projecto.

E o que se sabe até agora sobre este navio? “Era sem dúvida a vapor. Há rumores de que, no início do século XX, terá transportado água para uma companhia de mercadorias muito conhecida”, conta Brandon Mason depois de ter feito um segundo mergulho. “Tinha um motor a vapor (provavelmente um motor de expansão tripla pelo seu design), uma caldeira proeminente praticamente intacta, vários guindastes grandes, cabeços de amarração, cabos, equipamentos e acessórios e um propulsor ainda no lugar”, descreve. “A proa está já um pouco achatada, supostamente pela ancoragem de um navio de cruzeiro, enquanto a popa permanecem a vários metros do fundo do mar”, acrescenta. Já há uma versão deste navio em 3D.

Foto
Mergulhadores da Maritime Archaeology Trust na Madeira Maritime Archaeology Trust

Também a própria história de sobrevivência do navio desperta o interesse do projecto. “É uma experiência de mergulho fantástica e é também uma lembrança muito significativa do papel destes navios no fornecimento das pessoas da Madeira ao longo das gerações.” Brandon Mason realça ainda o papel dos centros de mergulho: “Os clubes de mergulho locais são excelentes guardiões dos navios e têm um conhecimento detalhado destes recursos culturais.”

Uma das histórias já contadas no blogue do projecto é a da chegada do escritor John Ronald Tolkien a Southampton a bordo do navio-hospital Asturias a 9 de Novembro de 1916, em plena Primeira Guerra Mundial. Nesse dia, aquele era o terceiro navio-hospital a chegar a Southampton, no Reino Unido, e o autor de livros como O Hobbit e O Senhor dos Anéis chegava ferido depois de ter estado quatro meses nas trincheiras. De Southampton, Tolkien foi de ambulância para um hospital perto da sua casa, em Birmingham. Foi também durante estes anos que Tolkien começou a escrever os seus livros. Mais tarde, a 20 de Março de 1917, foram afundados 24 navios e, entre eles, estava o Asturias. Esta é apenas uma história de alguém contada através de um navio afundado na Primeira Guerra Mundial.

O PÚBLICO viajou a convite da Câmara Municipal do Funchal

Sugerir correcção
Comentar