A democracia morre na escuridão

Donald Trump, quando diz que “os media são o inimigo do povo”, não ajuda.

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Roubo ao Washington Post o título deste texto. “Democracy Dies In Darkness” é o novo slogan do jornal (e primeiro) e aparece abaixo do logótipo no papel e no online desde Fevereiro.

Pensamos logo em Donald Trump e é sobre isso, a ameaça que paira sobre a democracia, que muitos académicos discutem neste momento. Quando clicamos na frase, vamos parar ao microsite de venda de assinaturas. Como quem diz: se quer que o Post continue a defender a democracia, pague o jornalismo que fazemos.

A resposta tem sido extraordinária — e nisso os jornais de qualidade têm a agradecer a Trump. Nos primeiros 18 dias a seguir à sua eleição, o New York Times teve um pico de 140 mil novos assinantes e no primeiro trimestre deste ano conquistou ao todo 276 mil novos assinantes. Num programa que convida mecenas a oferecerem assinaturas digitais a estudantes, há doações de quatro dólares, mas também de 20 mil. E o Times não está sozinho. Neste mesmo período, o Los Angeles Times aumentou 60% as assinaturas digitais. E só a 9 de Novembro, um dia após a vitória de Trump, o Wall Street Journal teve um aumento de 300%.

O novo motto do Washington Post tem e não tem que ver directamente com Trump. A frase tem 40 anos. Bob Woodward, o célebre jornalista que ajudou a revelar o escândalo do Watergate, usa-a há anos para falar de Richard Nixon, mas roubou-a ao juiz Damon Keith, do Tribunal de Relação Federal, que nos anos 1970 escreveu “democracy dies in the dark” numa deliberação que obriga o Governo a ter mandatos judiciais para fazer escutas. Com este histórico, em Maio, Jeff Bezos, fundador da Amazon e proprietário do Post, usou a frase para explicar a razão que o levou a comprar o jornal. “Muitos de nós acreditam que a democracia morre na escuridão e que certas instituições têm um papel muito importante em garantir que há luz.” Como o Post.

É verdade que a frase é um pouco pomposa. Tem toques de Guerra das Estrelas e coloca os jornalistas no papel de guerreiros defensores do mal que vem aí. Mas põe o dedo na ferida do debate mais erudito da era dos “factos alternativos”.

Em Novembro, dois respeitados cientistas políticos americanos, Robert Stefan e Yascha Mounk, escreveram um ensaio que está a ser estudado nas universidades, incluindo as portuguesas. O texto chama-se Sinais de Desconsolidação e defende que os cidadãos ocidentais estão cada vez mais críticos da democracia — coisa que já sabíamos — mas sobretudo cada vez mais abertos a regimes autoritários. Um dos sinais da “desconsolidação” é o facto de haver cada vez mais pessoas — sobretudo os jovens, coisa que não sabíamos — favoráveis à ideia de os seus países terem “um líder forte que não tem de se preocupar com parlamentos ou eleições”. Em Dezembro, Erik Voetan entrou na polémica e tentou demonstrar que os sinais identificados não provam um entusiasmo alarmante em relação a alternativas não democráticas. E, esta semana, mais dois académicos, Erik Jones e Matthias Matthijs, publicaram um texto a propor que não nos centremos nas sondagens e estudos de opinião, mas no comportamento das elites.

No fundo, ninguém sabe exactamente se a democracia já está com bandeira amarela. Trump, quando diz que “os media são o inimigo do povo” não ajuda. Mas o Washington Post, que acaba de ganhar um Pulitzer com uma investigação sobre a falsa filantropia do Presidente americano, não está a ser um herói cavaleiro. Está só a tentar que o pessimista Yascha Mounk não tenha razão.

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