Empresa de Leiria desenvolve “caixa” que dá luz e água em África

A RVE.SOL vai expandir a sua tecnologia de produção de energia solar e purificação de água no Quénia e já está a dar os primeiros passos em Moçambique e na Tanzânia.

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Vendeirinho visitou 50 aldeias em África antes de lançar o projecto NUNO FERREIRA SANTOS

É a partir de Leiria que a RVE.SOL se dedica a cumprir um objectivo ambicioso: “mudar para sempre” a vida de comunidades rurais africanas onde o acesso à energia ainda é uma miragem. Fundada há seis anos, a empresa iniciou em 2011 um projecto-piloto no Quénia, na aldeia de Sidonge, onde testou um sistema de produção de energia renovável e purificação de água que pretende replicar noutras 50 comunidades no país nos próximos dois anos.

Para este projecto que prevê um total de 1,2 megawatts de capacidade instalada e deverá levar electricidade a 25 mil quenianos, a RVE.SOL garantiu já uma linha a fundo perdido de cinco milhões de euros do DfID (a instituição britânica de apoio ao desenvolvimento) e está em busca de financiamento, em modelo de project finance, para outros 3,5 milhões. A par disso, enquanto dá os primeiros passos em Moçambique e na Tanzânia, procura novos investidores para esta fase de expansão, revelou ao PÚBLICO o fundador, Vivian Vendeirinho.

“Queremos parceiros financeiros, que tenham confiança no negócio, mas também algum apetite pelo risco”, afirmou o gestor, nascido na África do Sul, de pai português e mãe sul-africana. A expectativa é que nesta ronda de capitalização a empresa passe a contar com “mais um ou dois investidores institucionais, um português e outro do Quénia ou África de Sul”, adiantou Vendeirinho.

Foi ao ler “na net” um artigo sobre a substituição da querosene por lâmpadas solares em comunidades rurais que se fez clique na cabeça deste engenheiro electrotécnico: meteu-se num avião para Nairobi para ouvir uma conferência sobre o tema e, convencido que havia ali possibilidade de negócio, passou três meses a visitar 50 aldeias do Quénia, Tanzânia e Uganda. “Percebi que o problema da pobreza rural não passa só pelo acesso à energia, mas também pelo acesso à água potável e à dependência do carvão e da lenha para cozinhar”. Estas necessidades consomem metade do rendimento mensal de famílias que sobrevivem com um ou dois dólares por dia. Foi assim que começou a germinar a ideia do sistema Kudura (a expressão que em kiswahili quer dizer algo como “a energia para a mudança”), como instrumento de poupança e, em simultâneo, catalisador de desenvolvimento. Se numa fase inicial as poupanças mensais servem para comprar aparelhos para informação e entretenimento, como televisões ou rádios, mais à frente também permitirão “comprar equipamentos para montar negócios”, que tragam rendimento e emprego, explicou.

Mas se a ideia fazia todo o sentido na sua cabeça, foi-lhe descrita como “radical e doida” quando procurou financiamento. Então, num Natal, num desabafo com um tio, desatou-se o nó: “Deixa-me falar com alguns sócios”, foi a promessa. E assim, entre “os famosos friends, family and fools” (amigos, família e tolos), num total de sete sócios (que hoje já são nove), levantaram-se 337 mil euros que permitiram montar o piloto (um investimento de 60 mil euros). O Kudura é um contentor de três metros com monitorização remota, que integra produção fotovoltaica e acumulação em baterias com um sistema de captação e purificação de água e geração de biogás para cozinhar, a partir de estrume de porco. A electricidade é fornecida através de uma rede de baixa tensão às casas, onde é instalado um contador pré-pago, enquanto a água potável fica disponível num ponto central para toda a comunidade.

O piloto destinou-se a validar a tecnologia, mas também a aferir a capacidade da população em pagar os serviços; porque uma coisa é “o valor emocional” que tem “ligar a luz pela primeira vez”, outra diferente é ter um modelo de negócio sustentável, sublinhou Vendeirinho. A vontade das populações para pagar por este serviço está lá, Sidonge “comprovou isso”, mas trata-se de comunidades onde os rendimentos das famílias dependem muito da chuva e da agricultura. “Não podemos assumir que um cliente que paga cinco dólares este mês pode pagá-los no mês que vem”, por isso “o modelo de negócio tem de ser flexível”, frisou.

A filosofia é válida também para Moçambique, onde a RVE.SOL está a “negociar um contrato com uma entidade pública” para gerir uma rede isolada que já serve cerca de 1300 pessoas na província de Maputo. Na Tanzânia, a empresa está a estudar com um parceiro local projectos de refrigeração para comunidades de pescadores do lago Tanganica, que lhes permitam prolongar a vida útil dos peixes e vendê-los com maior rendimento.

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