Cânticos provocam ondas de choque e podem levar a “caminho sem retorno”

Super Dragões desvalorizam e prometem não repetir incidente reprovado pelo FC Porto, enfrentando condenação pública e um alerta muito sério do presidente da Confederação do Desporto de Portugal.

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“Quem me dera que o avião da Chapecoense fosse do Benfica” foi o cântico entoado pelos Super Dragões que gerou uma espiral de reacções Ricardo Castelo/Nfactos

Os cânticos entoados pelos membros da claque Super Dragões durante o FC Porto-Benfica de quarta-feira, em andebol, chocaram o mundo do desporto, provocando um punhado de reacções de condenação. Dos clubes envolvidos até à federação, passando pelo presidente da Confederação do Desporto de Portugal (CDP), Carlos Paula Cardoso, foram várias as manifestações de desagrado.

“O facto de alguém pensar e ensaiar algo que ultrapassa todos os limites do mau gosto e da ética desportiva não pode ser confundido com um mero impulso, o que nos diz que estamos a entrar num caminho sem retorno”, reagiu, com preocupação, Carlos Cardoso, ainda incrédulo com a referência ao acidente aéreo que vitimou a comitiva do clube brasileiro Chapecoense.

Depois do exemplo de fair-play dado pelos alemães, que se mobilizaram para acolher os adeptos do Mónaco na sequência do atentado ao autocarro do Borussia Dortmund, “ninguém consegue compreender este tipo de cânticos”, sublinhou, “horrorizado”, o membro do antigo Conselho para a Ética e Segurança do Desporto, surpreendido pelas notícias com que foi confrontado no regresso a Portugal, após participar num congresso em Londres.

“Nesta viagem tive oportunidade de ler o livro sobre a tragédia de Hillsborough, em 1989. E se não houver capacidade para travar esta escalada, poderemos acabar num ponto sem retorno. Vivemos num clima que pode levar a um fenómeno perigoso. E este comportamento ultrapassa tudo. O desrespeito atinge-nos a todos: ao Benfica, ao Chapecoense e a toda a gente que anda no desporto e na sociedade”, alerta Carlos Paula Cardoso, para quem a resposta não pode cingir-se à aplicação dos regulamentos.

A Lei n.º 39/2009, de 30 de Julho, estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos em segurança, estando este incidente compaginado no artigo 23.º, que na alínea e) condena “cânticos racistas ou xenófobos ou que incitem à violência, à intolerância nos espetáculos desportivos, a qualquer outra forma de discriminação, ou que traduzam manifestações de ideologia política”.

“Qualquer clube que seja confrontado com estes comportamentos das respectivas claques terá que se demarcar imediatamente, deixando clara a sua posição. Se não os erradicarmos, se faltar capacidade para travar algo de tão primário e lamentável, o resultado será imprevisível. E este não pode ser o caminho que queremos para o desporto”, assevera, ao PÚBLICO, o líder da CDP.

Ciente da gravidade da situação, o FC Porto assumiu uma posição pública, através do Twitter oficial do clube, logo após o jogo, o que motivou um comunicado do Benfica, a enaltecer a “forma célere como a instituição Futebol Clube do Porto se demarcou do muito grave e lamentável cântico”. ?O comunicado publicado no site oficial do clube da Luz apela à reflexão dos agentes desportivos, de forma a “parar este clima de tensão”.

A própria claque do FC Porto acabaria por assumir, ainda que sem apresentar publicamente desculpas, que, perante a reacção generalizada, não serão repetidos os cânticos que mereceram a reprovação veemente de todos os quadrantes, tendo assumido mesmo proporções que ultrapassaram fronteiras, com eco no Brasil. Os responsáveis da claque tentaram desvalorizar o incidente, o que não demoveu a Federação de Andebol de Portugal (FAP) de repudiar o teor dos cânticos, que considera violarem as regras de fair-play e desportivismo.

A FAP — que lembra ter adoptado “especiais regras de cuidado e segurança nalguns jogos da fase final”— foi, de resto, mais longe e fez uma participação ao Conselho de Disciplina, “a fim de o mesmo proceder em conformidade com as disposições legais em vigor”.     

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