Os patrocínios da biografia de Jorge Sampaio

Tal como é legítimo procurar patrocínios, é igualmente legítimo fazer perguntas sobre a lisura do processo, tendo em conta que estamos a falar de um antigo presidente da República.

Jorge Sampaio lançou na semana passada o segundo volume da sua biografia. No total, são duas mil páginas sobre a sua vida, o mais detalhado relato biográfico de todos os presidentes democráticos. Embora o seu lugar na História de Portugal não tenha a importância do de Mário Soares, Ramalho Eanes ou do próprio Cavaco Silva, a joint-venture com o jornalista José Pedro Castanheira produziu dois impressionantes tijolos em capa dura e uma mini-polémica sobre as empresas que patrocinaram o projecto. Vale a pena olhar para o caso, porque é muito revelador da lógica de funcionamento das elites portuguesas.

Na contracapa, para além do logótipo da Porto Editora, surge uma fila de sete empresas que apoiaram a produção do livro: BPI, Fundação Luso-Americana, Fundação Oriente, Grupo Visabeira, IPRI – Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova, Portugal Telecom e Mota-Engil. Ninguém duvida que o mecenato cultural seja excelente, e ainda bem que José Pedro Castanheira e a sua equipa conseguiram os meios necessários para assinar uma obra desta envergadura – dois grossos volumes que vão para a Biblioteca Nacional e que permitirão às futuras gerações compreender melhor os últimos 60 anos. Mais: não há da parte de Castanheira ou de Sampaio a intenção de esconder qualquer apoio. Os patrocínios são referidos na introdução e estão bem explícitos na contracapa. A notícia desta história está noutro sítio – na forma atabalhoada como as empresas e as instituições reagiram às perguntas do Observador quando este quis saber qual a dimensão do investimento no livro e qual o nível de envolvimento do próprio Jorge Sampaio na sua captação, tendo em conta que na introdução do primeiro volume se diz que o ex-presidente “dispôs-se a procurar financiadores para o moroso e dispendioso trabalho de investigação, escrita e publicação”.

Infelizmente, a resposta a essas perguntas variou entre o pontapé para a bancada e o silêncio absoluto. Ora, tal como é legítimo procurar patrocínios, é igualmente legítimo fazer perguntas sobre a lisura do processo, tendo em conta que estamos a falar de um antigo presidente da República. Só que nenhuma das quatro empresas envolvidas – BPI, Visabeira, PT e Mota-Engil – se dispôs a revelar valores, e quanto às restantes três instituições – FLAD, Fundação Oriente e IPRI –, o Observador descobriu que se juntaram para criar uma bolsa intitulada D. Luís da Cunha, com o propósito de apoiar a feitura de biografias, memórias ou diários de “personalidades que se distinguiram na vida pública”. Por coincidência, a primeira bolsa foi atribuída, “por unanimidade”, a Jorge Sampaio. E se algum dia houve uma segunda bolsa, ninguém sabe e nunca ninguém a viu.

É aqui que sobressaem os curiosos métodos das nossas elites políticas, económicas e culturais, que têm estas duas tristes características: absoluta informalidade e total falta de transparência. Não se percebe porque é que as empresas visadas se sentem impedidas de revelar os valores de apoio a um projecto cultural. E percebe-se ainda menos que duas fundações e um instituto público – cujo membro da direcção para o qual a questão foi remetida é um antigo assessor de Jorge Sampaio – não divulguem o protocolo de uma bolsa, a sua periodicidade e o seu valor. É precisamente este silêncio que transforma este caso num caso. E que permite a qualquer pessoa desconfiar que, em relação à bolsa D. Luís da Cunha, o D. Luís só lá está para disfarçar.

Sugerir correcção
Ler 19 comentários