Quer encomendar uma lei à sua medida? Ainda pode

Grupo de Estados Contra a Corrupção diz que Portugal cumpriu dez de 13 recomendações, mas ainda há diplomas legais problemáticos.

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Portugal protelou para 2018 a adaptação de algumas leis RG RUI GAUDENCIO

Imagine que lhe dava jeito um perdão fiscal, e que conhecia alguém que, a troco de algum dinheiro, conseguia que o Governo publicasse um diploma legal perdoando os impostos a todos os contribuintes na sua situação. Mesmo que o caso chegasse a tribunal, a justiça podia não conseguir puni-lo, nem a si nem a quem tinha encomendado o diploma – a não ser que ele violasse outra lei em vigor.

Luís de Sousa, investigador do Instituto de Ciências Sociais e ex-presidente da Transparência e Integridade Associação Cívica, dá este exemplo para explicar porque é que é importante que o crime de tráfico de influência para acto lícito passe a ser punido em Portugal, como tem vindo a exigir, há dez anos a esta parte, o Grupo de Estados Contra a Corrupção (Greco), organismo que luta contra o fenómeno no seio do Conselho da Europa.

Divulgado esta quarta-feira, o mais recente relatório do Greco sobre Portugal assegura que foram cumpridas satisfatoriamente as suas recomendações sobre a transparência do financiamento partidário, bem como as que exigiam o agravamento das penas por corrupção e tráfico de influência no sector privado. “As molduras penais aumentaram e passaram a ser mais equiparadas às dos crimes de corrupção no sector público”, pode ler-se no documento. É, porém, problemático o facto de em Portugal continuar a ser possível comprar influência desde que o favor pretendido não seja contrário à lei, observa o Greco, que insta Portugal a resolver uma questão que o Parlamento esteve à beira de solucionar antes de se arrepender de o fazer. Já a venda de influência, pelo contrário, tanto é crime na lei nacional quando se trata de actos ilícitos como quando se trata de actos lícitos.

Luís de Sousa lamenta que esta e outras lacunas legais apontadas pelo Greco, organização de que Portugal faz parte, se arrastem há uma década, como é o caso da falta de criminalização do suborno de funcionários estrangeiros ou membros de  organizações internacionais. Da mesma forma, os crimes ligados à corrupção cometidos por portugueses além-fronteiras também carecem de punição nas leis nacionais, assinala o relatório. “Há aqui casmurrice. Tudo isto já devia estar resolvido, até porque não se trata de questões que dividam a sociedade portuguesa, como por exemplo o enriquecimento ilícito”, observa o activista da transparência. “Tem de haver orientações políticas a dizer ‘Resolva-se’”.

Portugal protelou para 2018 a adaptação da lei a algumas destas recomendações internacionais, tendo alegado que possui fundamentos legais que lho permitem fazer. Não é esse, contudo, o entendimento do Grupo de Estados Contra a Corrupção, que afirma "não existir base legal” para tal, uma vez que o país assinou as convenções que o obrigam a mudar a legislação.

O cenário é, apesar de tudo, globalmente positivo: “Portugal implementou de forma satisfatória dez de 13 recomendações”, conclui o Greco. Contactados pelo PÚBLICO, nem o Ministério da Justiça nem a Procuradoria-Geral da República quiseram comentar os resultados deste relatório. No ano passado, o Grupo de Estados Contra a Corrupção tinha dito que o regime de conflito de interesses dos deputados portugueses era demasiado permissivo. O assunto está em debate na comissão parlamentar eventual da transparência, que não faz uma reunião pública há seis meses.

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