Governo quer punir bancos que não limpem créditos

Executivo pretende que instituições financeiras elaborem um plano para limpar créditos em risco e que haja incentivos ou sanções conforme este seja ou não cumprido.

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O Banco de Portugal, presidido por Carlos Costa, deve, diz o Plano Nacional de Reformas, intensificar a monitorização da banca Enric Vives-Rubio

Para o Governo não subsistem dúvidas: a supervisão deve exigir aos bancos “objectivos quantitativos de redução” dos créditos em risco, com “metas ambiciosas mas realistas” e aplicar sanções quando as manobras de ataque aos non-performing loans (NPL, em inglês) não forem cumpridas.

A medida está inscrita no Plano Nacional de Reformas (PNR) que o executivo elaborou, para entregar em Bruxelas em articulação com o Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC). De acordo com o documento a que o PÚBLICO teve acesso, e sem especificar nunca o nome da estrutura responsável (Banco de Portugal), o executivo sublinha que a “supervisão” deverá  “intensificar a monitorização” dos créditos em risco e activos não estratégicos, “devendo para tal estar dotada dos mecanismos necessários” para exigir soluções aos “níveis elevados de NPL”.

Actuando de forma “intrusiva”, ou seja, não reactiva, “o supervisor deve equacionar a definição, dentro do enquadramento regulamentar existente, de penalizações para os bancos que incumpram nos seus planos e um mecanismo de incentivos para aqueles que conseguem implementar com sucesso a estratégia definida”. Isto, em articulação com o Mecanismo Único de Supervisão (ligado ao Banco Central Europeu).

O PÚBLICO tentou obter uma reacção por parte da Associação Portuguesa de Bancos (APB) mas tal não foi possível.

No relatório de estabilidade financeira elaborado pelo Banco de Portugal em Novembro, destacava-se que os níveis de NPL no mercado nacional “permanecem em níveis muito elevados em resultado da significativa materialização do risco do crédito nos últimos anos”. E que isso é “um risco para a estabilidade financeira” devido ao impacto na rendibilidade, solvabilidade e acesso ao mercado (captação de accionistas ou emissão de dívida). Por outro lado, a exposição a empréstimos problemáticos restringe a concessão de novos créditos a empresas. 

Em termos de crédito em risco, estima-se que este ronde os 33.000 milhões de euros, o equivalente a quase 23% do total. Deste valor, 18.800 milhões dizem respeito a empresa (20% do total concedido às sociedades não financeiras).

Ainda esta terça-feira a agência de rating Fitch, numa análise à banca portuguesa, sublinhou que o resultado do combate aos NPL ainda é “incerto” e que subsiste o risco de haver mais custos para o Estado.

Imparidades com novo regime fiscal

De acordo com o documento do Governo, as instituições financeiras têm várias opções à sua disposição, como a criação “de unidades de recuperação, dentro das instituições”, a venda dos créditos em causa ou a adesão “a uma solução sistémica privada”. Esta última remete para a criação de um veículo para lidar com o crédito malparado, com o executivo a apostar aqui na criação de uma sociedade gestora de activos (Asset Management Companies – AMC, em inglês).

A constituição de AMC, realça-se no documento, “tem sido parte das soluções desenhadas em vários países”. “Não sendo uma ferramenta que permite solucionar o problema enquanto mecanismo único de intervenção é uma ferramenta que pode permitir facilitar a venda e consequente eliminação de parte do volume de crédito em risco do balanço dos bancos ou outros activos não core [não estratégicos], enquanto parte de uma solução mais vasta e multifacetada”.

Este veículo tem de ser capaz "de captar investimentos junto de entidades privadas e potenciar os benefícios associados à gestão integrada destes activos actualmente dispersos pelo sistema bancário com ganhos de eficiência”, defende o executivo, sem calendarizar os passos a dar.

O papel do Governo seria, defende-se, o de “actuar como catalisador de uma solução sistémica”, ao promover as condições necessárias, nomeadamente “no que concerne à regulação das transacções, da actividade da AMC e das suas relações com os devedores originais, ao enquadramento fiscal e à capacidade de atracção de fundos”. Isto, obviamente, em articulação com a Direcção Geral da Concorrência, e com o Mecanismo Único de Supervisão, com quem “as autoridades portuguesas se encontram em comunicação”.

A “valorização apropriada dos créditos”, lê-se no documento, conduz ao reconhecimento de perdas por imparidades, o que pressupõe a existência de capital. E, de acordo com o PNR, essas imparidades devem ter “incentivos gerados pelos mecanismos de supervisão”, além da “minimização das diferenças entre o tratamento fiscal e contabilístico do reconhecimento de provisões e imparidades”.

Neste sentido, avança-se que, até Maio, o Governo vai apresentar no Parlamento uma revisão do Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Colectivas, mais concretamente ao artigo 28.º - C, com a intenção de “consagrar um regime de reconhecimento fiscal das imparidades que, fora das situações de relações especiais ou de cobertura por garantia, admita esse reconhecimento nos termos em que essas imparidades devem ser registadas por imposição das normas contabilísticas determinadas pela supervisão”, o que evita "a criação de novos activos por impostos diferidos e reflectindo fiscalmente a situação real das imparidades do sector financeiro português".

Entre 2008 e 2016, conforme noticiou recentemente o PÚBLICO, os bancos presentes no mercado nacional já sofreram quase 50.000 milhões de euros em perdas por imparidades. O Governo tem vindo a preparar mudanças ao modelo de supervisão que vigora no país, com um sistema tripartido, e articulado, entre a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e o Banco de Portugal.

Com apoio de Carlos Tavares, até há pouco tempo presidente da CMVM, foi preparado um documento base do novo modelo que irá em breve a consulta pública e que deverá retirar algumas das actuais funções do Banco de Portugal (é o banco central quem, além de deter a responsabilidade pela regulação e supervisão, tem de aplicar medidas de resolução e depois vender activos ou acompanhar um banco de transição, como no caso do Novo Banco).

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