Cortes na despesa explicam mais de 80% da redução do défice

Cativações, queda do investimento e menos encargos com juros são, de acordo com o Conselho das Finanças Públicas, os três factores por trás da maior redução da despesa registada em 2016.

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Teodora Cardoso tem manifestado dúvidas quanto à sustentabilidade da consolidação orçamental Rui Gaudencio

Foi principalmente por aquilo que aconteceu do lado da despesa pública que o Conselho das Finanças Públicas acabou por ser surpreendido com o resultado do défice atingido no ano passado pelo Governo.

Na sua análise aos resultados das finanças públicas registados em 2016, a entidade liderada por Teodora Cardoso estima que cerca de 83% da redução do défice foi conseguida por via da redução do peso da despesa, precisamente o inverso daquilo que estava previsto, que passava por uma consolidação orçamental feita maioritariamente por via da receita. No Orçamento do Estado de 2016 publicado em Fevereiro do ano passado, apontava-se para um contributo por parte da despesa de apenas 26%. E mesmo a três meses do final do ano aquilo que era previsto no OE para 2017 era uma redução do défice de 2016 que contava com um contributo de 41% do lado da despesa.

O que aconteceu então para este resultado bastante melhor na redução da despesa, que ascendeu a 3319 milhões de euros em vez dos 950 milhões previstos no OE inicial? O CFP destaca três principais explicações.

A primeira foi o facto de, num esforço de cumprimento das metas orçamentais exigidas pelas autoridades europeias, o Governo ter optado por não realizar mais de metade das despesas que estavam cativadas no OE inicial. A poupança adicional conseguida com essa medida (face ao previsto no orçamento) ascendeu a 0,3% do PIB e é o resultado de um congelamento das cativações superior ao registado em anos anteriores.

As cativações de despesa são realizadas em todos os orçamentos e constituem uma forma de os governos terem um determinado montante de despesa aprovado, mas cuja efectiva concretização fica condicionada da autorização do ministro das Finanças.

De acordo com os números publicados pelo CFP, o montante das despesas cativas que acabaram por não ser utilizadas pelos serviços ascendeu, no total de 2016, a 842,6 milhões de euros. Este valor é bastante mais elevado do que o registado em 2014 e 2015, quando se cifrou em 566 e 522 milhões de euros, respectivamente.

Isto aconteceu também porque, logo no OE inicial de 2016, o montante dos cativos efectuados foi mais elevado do que o habitual (1619 milhões de euros contra cerca de 1200 milhões em cada um dos dois anos anteriores). Assim, o peso dos cativos finais no total dos cativos previstos no OE foi em 2016 de 52,1%, um valor que compara com 50,4% em 2014 e 43,4% em 2015.

Segundo o CFP, o orçamento tinha já implícita uma poupança com cativos de 355 milhões de euros, mas esta acabou por chegar aos 842,6 milhões, o que significa uma redução adicional do défice de 0,3%.

Outro grande contributo para a redução da despesa veio do investimento, que o CFP diz que atingiu, desde pelo menos 1995, o seu valor mais baixo tanto em termos absolutos como em percentagem do PIB. Deve salientar-se que a esta redução da despesa do investimento corresponde também em parte uma redução da receita de capital, já que a transferência de fundos provenientes da UE foi também menor.

Por fim, há a redução da despesa com juros. A poupança registada a este nível ascende, de acordo com o CFP, a 0,3% do PIB face ao que estava orçamentado. A despesa com juros depende do calendário de pagamento aos credores, da evolução dos mercados e de decisões como a amortização antecipada de pagamentos ao FMI.

Para o CFP, cujos responsáveis continuam a revelar muitas dúvidas em relação à sustentabilidade do processo de consolidação orçamental em Portugal, estes três motivos compensam o aumento da despesa primária e uma evolução menos positiva da receita, apesar da retoma económica do final do ano e das receitas extraordinárias com o programa de recuperação de dívidas fiscais.

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