Mass Effect: Andromeda, uma nova casa com muito Espaço

Com o seu novo jogo, sente-se a ambição da BioWare colocada ao serviço da exploração e da descoberta. Contudo, vários problemas técnicos e uma escrita com alguns desenvolvimentos rarefeitos evitam a obra de voar mais alto.

Mass Effect: Andromeda

Como uma onda hertziana, o nosso investimento em Mass Effect: Andromeda. A nova ópera espacial da BioWare tem momentos de elevação em que o jogador está todo com a obra, querendo saber o que vai acontecer, para onde e com quem vai. Todavia, há também momentos em que a polpa é cinzenta, em que temos muito pouco onde fincar a curiosidade, em que continuamos a investir horas (e horas e horas) desconfiando se tudo isto valerá a pena.

Na sua ambição espacial, Andromeda é mais Solaris do que Gravidade; na sua essência, é um role-playing game (RPG) que quer abraçar o conceito de uma epopeia espacial e ser menos uma obra contida e focada numa secção, ou seja, o espectro é mais Tarkovsky e menos Cuarón. A qualidade, contudo, sofre com vários passos em falso, com alguns ramos tecnológicos ainda verdes, e uma escrita que verga com o peso de tudo aquilo que tem que transportar nos ombros.

Não é a primeira dança espacial da BioWare, com Andromeda a ser o primeiro jogo depois da trilogia original, mas colocando a espinha dorsal do seu arco narrativo no meio dos primeiros jogos. Shepard, protagonista dos títulos iniciais, dá lugar a Ryder. O jogador, entre outros parâmetros de personalização, pode escolher inicialmente se Ryder é a filha ou o filho de um homem que tem como tarefa levar arcas com exploradores espaciais, exploradores que procuram uma nova morada para a humanidade longe, muito longe, do planeta Terra.

O argumento não demora muito a dar à trama uma carga dramática. Ryder é eleito Pathfinder, uma posição de líder na qual se vai afirmando com o desenrolar da aventura. Haverá decisões para tomar em nome da sua equipa, que entretanto formou. Isto serve para dar ao jogador a oportunidade de se afirmar perante o jogo e de o jogo se tentar afirmar perante quem o compra.

É ficção-científica que não chega a Asimov ou a Philip K. Dick, mas que eleva um humano a decidir por todos que esperam a tal nova morada na Galáxia de Andrómeda. Na prática, temos um arco narrativo que funciona em várias camadas. Temos o aspecto moral da escolha do que julgamos ser o melhor, mas há também o encanto da descoberta planetária, o aterrar a nave Tempest em cenários que são incógnitas, e ainda a operação da emoção a nível pessoal, seja na possibilidade de trabalharmos em relações amorosas ou na constante ramificação do diálogo: podemos escolher as respostas e fundamentar a personalidade: emocional, lógico, casual, profissional.

É uma aventura espacial como uma toalha estendida num parque – uma enorme toalha que vamos explorando como se fossemos uma formiga. Mas a nossa boa vontade de fazermos jus à condição de eleito não demora muito a esbarrar na ameaça inimiga, não permitindo a ninguém colonizar o Espaço a seu bel-prazer. Os Kett (e os Remnant) não querem participar na nossa coroação como herói ou heroína, servindo para várias muletas narrativas e para patrocinar um sistema de combate que demora algum tempo a levantar fervura.

Se dedicarem tempo suficiente a Andromeda, o arco narrativo tem algumas surpresas. Por entre as raças diferentes, há aqui um fio que alimenta a génese de uma em particular, a forma como foi modificada e, sobretudo, a questão moral de quem, afinal, tem andado a matar quem. Ou seja, mesmo sendo um conto da nossa afirmação perante o infinito, alguns fios merecem ser estudados e apreciados.

Podia ser um argumento mais disposto à questão moral e à questão da existência, mas não é um caso perdido desde que não esperem encontrar aqui 2001: Odisseia no Espaço – o videojogo. É um caso, sim, que dá alguns passos pelo cliché e pela ficção-pastilha-elástica, mas no meio das ramificações descartáveis, é também um caso com alguns ramos a darem uma flor que merece ser contemplada, mesmo que para isso o jogador tenha que passar dias a trepar a árvore.

Um dos pontos mais fortes do jogo é a forma como transmite ao jogador esta sensação de exploração, de estarmos imbuídos numa rede muito maior do que cada unidade que a compõe. Na nave temos um mapa da Galáxia onde vamos acumulando missões em aberto, algumas pertença do arco narrativo principal, outras de uma lista de afazeres secundários. Há muito, mas mesmo muito, para fazer e para ver.

Há missões secundárias básicas – até seguirem um rasto de migalhas ou realizarem incontáveis tarefas menores e praticamente inconsequentes –, mas algumas das missões principais são memoráveis, funcionando como peças de entretenimento com princípio, meio e fim. Já na segunda metade, quando começamos a apertar o cerco a Archon, quando começamos a apontar a ofensiva a Meridian, dificilmente a curiosidade de aprender e conquistar um artefacto não será irresistível. É aqui que é sublinhada a filosofia “saber o que vai acontecer, para onde e com quem vai”.

Estas batalhas são alimentadas por uma jogabilidade que assenta no confronto através de uma personagem em mutação. Vamos subindo de nível, vamos desbloqueando pontos que podem ser atribuídos a várias habilidades, depois de no início da aventura termos escolhido a classe a que queremos pertencer. É um sistema que garante a liberdade para irmos criando um lutador segundo os nossos interesses, o que por sua vez ajuda a diversificar as incontáveis batalhas de que faremos parte.

O caminho é traçado por cada jogador. Por exemplo, a minha personagem (Infiltrator) tem um “Tactical Cloak” que lhe permite desaparecer temporariamente no cenário, tem uma habilidade da categoria Tech chamada “Overload” que dá ao meu Ryder a possibilidade de lançar uma descarga eléctrica – com mais dano se tiver sido carregada. O Loadout da personagem tem ainda a “Incinerate”, habilidade que lança um projéctil de plasma.

Há várias secções de evolução, sendo possível criar uma personagem com habilidades, por exemplo, mais da categoria Biotics, Tech ou Combat. É o vosso estilo de jogo, é a vossa personagem. É apenas uma questão de lerem as descrições, conquistarem pontos com o decorrer da cruzada e aplicá-los convenientemente – é possível, se pagarem com créditos do jogo, fazer reset e recomeçarem a aplicação dos pontos. Não há uma forma certa e outra errada de jogar Mass Effect, mas há, contudo, uma forma de praticamente não serem incomodados com toda esta trabalheira de lidar com os inimigos. Sabendo que há fãs que apenas querem consumir o jogo pela sua história, a BioWare incluiu uma opção de dificuldade chamada “Narrative”, na qual dificilmente verão um ecrã “Game Over”. Se forem veteranos, podem optar pelo oposto, ou seja, pelo grau de dificuldade “Insanity”, o que torna tudo muito, mas mesmo muito, exigente.

E a diversidade e a recompensa da jogabilidade continuam pelas incontáveis opções bélicas. Há pistolas, metralhadoras, snipers, e opções de luta corpo-a-corpo. Mas é possível pesquisarem e desenvolverem itens: recolham as plantas de desenvolvimento e os materiais necessários e podem criar armas e peças da armadura. Esta pesquisa incentiva a passar a pente-fino todos os recantos do Espaço que têm à vossa disposição, investigando anomalias e lançando sondas – tarefa que não é, porém, a mais emocionante.

Os jogadores que acompanham a série há mais tempo certamente ainda se lembram do Mako, o veículo que era usado para exploração do cenário e que ficou célebre pela sua condução frustrante. Em Andromeda não há Mako, mas há o Nomad. Felizmente, a condução é fluída, contando com várias opções de controlo, várias funcionalidades – com o salto e boost – e a possibilidade de ser melhorado. O seu esquema de controlos beneficia a exploração, ou seja, o Nomad é um veículo que complementa esta parte da experiência em vez de a tornar frustrante.

Mass Effect: Andromeda contém ainda uma componente multijogador, onde até quatro jogadores podem unir esforços cooperativamente contra hordas de inimigos. Pelo caminho terão vários objectivos a cumprir, aplicando aqui muito dos princípios de combate do modo a solo. Há packs que podem ser adquiridos não só, mas também, com “Andromeda Points” – que podem ser comprados usando dinheiro real. No momento em que este texto é escrito, as opções vão de 4,99 euros (500 pontos) a 99,99 euros (12.000 pontos). Estes packs contêm itens ou personagens.

Tecnicamente, Andromeda apresenta várias facetas. Há enormes planetas para descobrir, alguns com vistas memoráveis, desde a sua imensidão até ao interior de uma caverna. Há variedade de fauna e flora, minutos e minutos e minutos a andar com o Nomad às voltas, absorvendo a sua escala. Ao longo destas semanas, foram incontáveis as vezes que joguei horas sem destino, ou melhor, com um destino inicial, mas dispersando pelo caminho.

Isto é o melhor da sua componente técnica. Jogado numa PlayStation 4 Pro, o pior são as expressões faciais das personagens, as texturas que em alguns casos são pobres e noutros parecem ter vida própria. Na minha recta final com o jogo tive oportunidade de experimentar a actualização 1.05, que corrige alguns destes problemas, mas que não muda por completo a raiz de outros. A BioWare vai continuar a apoiar o seu jogo, ou seja, é possível que com o passar das semanas – e se calhar dos meses – Andromeda venha a ser o portento técnico que os fãs mereciam aquando do seu lançamento, mas neste momento tem várias fragilidades.

E finalmente, uma palavra sobre a sonoplastia. A banda sonora é assinalável, dando uma densidade dramática a certos momentos com a sua exaltação audível. Faz lembrar, em vários momentos, algum do trabalho de Hans Zimmer. A vocalização é feita por vários nomes conhecidos. Os irmãos Ryder são o trabalho de Fryda Wolff e de Tom Taylorson, mas há nomes como Natalie Dormer (Lexi T'Perro), Kumail Nanjiani (Jarun Tann) e Nyasha Hatendi (Jaal). Com o elenco principal não há grandes questões, mas algumas personagens secundárias têm na forma como entregam as suas linhas de diálogo a profundidade de uma folha de papel (vegetal).

O texto é longo porque Mass Effect: Andromeda é um jogo longo, uma obra densa e com imensas ramificações em praticamente todos os seus departamentos. A sua ambição é assinalável, mas falha em alguns segmentos da narrativa, em várias secções de troca de diálogo e na edificação de personagens com profundidade. O sistema de combate em evolução é desafiante e aquela sensação de termos descoberto uma jóia num mapa pejado de missões e actividades é reconfortante.

Há aqui elementos de design que me fizeram lembram trechos de Halo e até de Dead Space, notando-se uma fibra que quer alimentar um clássico do género em tudo aquilo que faz. Não o consegue. É bom, muito bom até, em alguns aspectos, mas fica aquém em ser, mais do que um jogo grande, um jogo grandioso.

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