Ir para São Francisco, mas com a base sempre em Portugal

Empresas portuguesas marcam presença em Silicon Valley para não ficarem fora do centro tecnológico mundial, mas a maior parte dos seus trabalhadores permanece em casa.

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São Francisco é a cidade mais cara dos EUA em termos imobiliários Reuters/Robert Galbraith

À pressa, a caminho de uma reunião para outra, tentando fugir ao trânsito caótico de São Francisco dentro de um Uber, João Barros parece já estar completamente adaptado à vida em Silicon Valley. E não tem grandes dúvidas em responder porque é que a sua empresa, nascida no Porto em 2011, tem estado nos últimos três anos aqui presente: “Para conhecer e ser conhecido. Aqui é onde o Mundo vem trocar informações”.

A Veniam, a empresa que ajudou a fundar a partir da Universidade do Porto, está a tentar conquistar o seu espaço numa das áreas mais competitivas do momento no mundo da tecnologia: a dos veículos autónomos. A tecnologia que já desenvolveu de transmissão de informação entre veículos, e dos veículos para outras redes, pode ser muito importante na concretização de um futuro em que os carros se movem sem intervenção humana. E, por isso, conseguiu atrair o investimento de diversos fundos e de algumas empresas importantes do sector, como a Cisco ou a Yamaha Motor.

Mas para chegar a ponto a que chegou agora, a vinda para Silicon Valley teve um papel decisivo. Como explica João Barros, a empresa, depois de obter um primeiro financiamento de 500 mil euros ainda quando estava somente em Portugal, decidiu ter presença na baía de São Francisco e em Nova Iorque. Foi nesses locais que garantiu um segundo financiamento de 4,9 milhões e, em Março do ano passado, um terceiro de 25 milhões. Este dinheiro permite à Veniam fazer os investimentos necessários para desenvolver os seus produtos e colocá-los no mercado, acredita João Barros

A história da Veniam é semelhante a muitas outras em Silicon Valley, o nome dado a toda uma área situada a sul da baía de São Francisco que que tem como principal característica a concentração de empresas, centros de investigação e universidades líderes na área da tecnologia a nível mundial. Várias das empresas aqui situadas nasceram em Silicon Valley, especialmente na Universidade de Stanford. Mas muitas, cada vez mais, vêm de outros pontos do globo, especialmente da Ásia e da Europa.

Um estudo realizado este ano pelo Bay Area Council Economic Institute, um think tank dedicado à discussão de questões relacionadas com a economia da região, estima que existam neste momento mais de 1000 empresas europeias com filiais situadas na baía de São Francisco, com um investimento próximo de 4000 milhões de dólares, o que representa metade do investimento internacional feito na região.

Sean Randolph, o presidente deste think tank, explica que no caso específico da Europa, um dos factores fundamentais por trás da vinda de empresas para Silicon Valley é a necessidade de obter financiamento. “Atrair capital de risco na Europa não é tão fácil e por isso, quando uma empresa está preparada para crescer, vem para cá. As pessoas trazem para aqui as suas ideias para as testar, encontrar financiamento e passa-las à prática”, afirma.

Foi isso que aconteceu com a Veniam. “Os investidores achavam importante estarmos cá, até para nos conhecerem melhor. E nós também ganhámos em receber a sua ajuda em áreas como a gestão”, afirma o CEO da empresa.

A cidade mais cara

A capacidade revelada por Silicon Valley nas últimas décadas para atrair as mentes mais qualificadas e talentosas do mundo da tecnologia é uma história feita da combinação de diversos factores favoráveis, quase por acaso. “Nada disto foi planeado, as coisas aconteceram organicamente. Ao início, tínhamos pessoas simpáticas, um sítio bem agradável. E depois tivemos um pouco de sorte, por exemplo com Standford, de onde saíram vários fundadores de empresas importantes”, explica Sean Randolph, assinalando que se agora a baía de São Francisco é uma região em que a iniciativa privada domina, ao início uma das principais razões do seu sucesso esteve no investimento público que foi feito em meados do século XX.

O que o governo fez, nos anos 60 e 70, foi investir muito dinheiro em investigação nesta região, especialmente na área da defesa, com entidades como a Sandia (que faz estudos na área da energia nuclear), o acelerador de partículas SLAC, e a NASA. Faziam trabalhos para o governo, mas aos poucos começaram também a trabalhar para outros e, principalmente, criaram uma comunidade muito forte em tecnologia e inovação.

Depois, destaca Sean Randolph a forma como as universidades estão ligadas às empresas e o espírito de partilha - em que “cada um para receber informação dos outros apenas precisa de mostrar que está também disposto a trazer coisas para o sistema” - fizeram o resto, tornando Silicon Valley no local onde uma empresa que se quer destacar na área da tecnologia sente que tem de estar.

Como é óbvio, a avalanche de empresas e pessoas vindas de todas as partes do mundo também cria problemas. E o principal é, sem dúvida, o custo de vida. São Francisco surge em todos os rankings como a segunda cidade mais cara dos Estados Unidos, ficando apenas ligeiramente atrás de Nova Iorque. E, no que diz respeito ao preço do imobiliário, é mesmo a líder, com uma renda mensal de um T1 a ascender em média aos 3500 dólares (cerca de 3300 euros) e a renda de um escritório a chegar aos 70 dólares por metro quadrado.

Existem tentativas de incentivar uma maior oferta de habitação, especialmente limitando a possibilidade dos actuais moradores impedirem novas construções. Um dos debates mais intensos na cidade é o de saber se se deve subsidiar a construção, permitindo que esta possa ser vendida a preços mais acessíveis, ou se o mais eficiente é deixar o mercado funcionar, esperando que um aumento de oferta acabe por fazer baixar os preços.

A par deste elevado custo de vida, são também muitas as queixas sobre a qualidade de vida. São Francisco continua a ser uma das mais atraentes cidades dos EUA do ponto de vista cultural e profissional, mas ao mesmo tempo fica entre as mais desagradáveis quando se olha para as suas infra-estruturas públicas, como estradas, escolas e hospitais, transportes públicos, ou para o seu caótico trânsito diário.

Os serviços públicos em São Francisco têm sentido dificuldades em acompanhar o ritmo de crescimento da população e não conseguem, com salários que ficam aquém do custo de vida suportado, atrair um número suficiente de professores, médicos e outros funcionários públicos para a cidade - para além de terem dificuldades e fazer obras quando os preços praticados pelas empresas de construção são tão elevados.

Este tão elevado custo de vida tem um impacto nas decisões que são tomadas pelas empresas que vêm para Silicon Valley.

A Codacy é mais uma das empresas portuguesas presentes. Aquilo que faz é ajudar outras companhias a identificar problemas e a encontrar soluções de programação, tendo entre os seus clientes empresas como a Adobe ou a PayPal. Nascida em Lisboa, começou por montar um escritório em Londres e, mais recentemente em São Francisco. Jaime Jorge, fundador e CEO da empresa, passa cerca de metade do ano em Silicon Valley e, no seu caso, a explicação que dá para esta presença é essencialmente comercial. “Mais de 40% dos nossos clientes estão nos EUA, por isso temos de estar aqui presentes”, diz.

A empresa prepara-se para contratar mais duas pessoas para a área comercial em São Francisco, mas o facto de a cidade ser tão cara não convida a que a sua presença na região se alargue para outras áreas.

Na Codacy, a grande maioria dos seus funcionários continua em Lisboa. E isto é especialmente verdade quando se fala dos programadores. “Em São Francisco, existe claramente um problema de desequilíbrio entre a procura e a oferta em termos de programadores de qualidade e nós estaríamos a competir com o Facebook ou a Google. Em Lisboa, por outro lado, é possível ter um nível de vida muito melhor, com um salário ridiculamente mais pequeno”, explica Jaime Jorge, que destaca a qualidade dos engenheiros portugueses a nível internacional. "Somos uma empresa portuguesa e queremos manter-nos assim”, diz.

É isto que normalmente acontece com as empresas europeias de Silicon Valley. Sean Randolph diz que “o padrão típico é os fundadores virem para aqui, a empresa ficar registada em Delawere, e a maior parte da mão-de-obra, especialmente os engenheiros, ficarem em casa”. E defende que para os próprios países de origem esta solução não é má. “Se as empresas não viessem, provavelmente teriam menos sucesso e, por isso, desta forma até acabam por se criar mais empregos em casa”.

Na Veniam, o cenário é o mesmo. Cerca de 80% dos 56 trabalhadores da empresa estão no Porto e esse é um cenário que não irá mudar. “Não digo que estamos a combater o desemprego no Porto, mas estamos a conseguir trazer para a cidade empregos suficientemente aliciantes para que os melhores programadores queiram cá ficar”, afirma.

Para o futuro, São Francisco, onde a empresa tem a sua área comercial e gere as suas operações, continua a fazer parte do cenário. Ainda assim, agora que a empresa já obteve o financiamento de que precisa para se desenvolver, e que os investidores já conhecem bem a equipa, João Barros assume que estar em Silicon Valley “já não é tão relevante”. “Hoje já não tenho tanta certeza de que é necessário estar cá, mas tenho ainda mais certezas de que é mesmo preciso estar em rede”, afirma.

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