Trump marcou pontos. Que vai acontecer a seguir?

O que estava em causa era punir Assad e, sobretudo, restaurar a credibilidade político-militar americana.

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Depois de eleito, Donald Trump prometeu negociar com a Rússia numa posição de força. Avisou também o Irão e a Coreia do Norte de que não hesitaria em usar o poderio militar americano. A Síria era o terreno ideal para uma demonstração de força. Bashar al-Assad ofereceu o pretexto.

O Presidente sírio enganou-se no cálculo da reacção americana perante o crime de Khan Sheikoun. Apostou na impunidade. Não imaginou que estivesse a convidar Trump para uma demonstração de força com baixos riscos. Era tolerado pela Administração americana como um mal menor. Subitamente volta à condição de “pária” internacional, designado como principal culpado da tragédia síria. Devemos dar um desconto à miopia de Assad. Desde a sua eleição que Trump tem feito ziguezagues irresponsáveis nas declarações sobre política internacional.

Desta vez, mudou de estilo e obteve uma vitória política, o que os aliados apreciaram. Ele e os seus generais aproveitaram uma oportunidade dourada não apenas para punir Assad, mas sobretudo para restabelecer a credibilidade político-militar americana. Ganharam com a rapidez e a surpresa. Ser imprevisível é uma vantagem. Trump emerge na cena internacional como “comandante-chefe” dos EUA.

O tabuleiro sírio

Até que ponto o ataque marca uma viragem de fundo na sua política síria? Parece ter sido um ataque pontual. Nada indica que os Estados Unidos se pretendam lançar numa escalada. A versão oficial é que o ataque foi lançado não contra as forças sírias mas para destruir armas químicas, o que não obriga a mais acções. Seria a aplicação da “linha vermelha” sobre as armas proibidas. Washington continua a não defender uma política de “mudança de regime” nem a exigir a deposição imediata de Assad.

Primeiro, para russos e iranianos, por razões diferentes, abdicar de Assad é uma perspectiva intolerável. Têm em jogo “interesses vitais”, incomparavelmente superiores aos dos americanos. A Síria, em si mesma, não constitui um interesse vital americano. É a guerra civil, com uma projecção regional, que significa uma ameaça para os EUA. Em segundo lugar, o general David Petraeus aprendeu a lição do Iraque e explicou aos americanos que, quando se cria na região um vazio de poder, são os jihadistas quem dele beneficia.

Note-se que a mensagem americana não visou apenas Assad, mas também os seus aliados ou protectores russos e iranianos. O que acontecerá depende em larga medida da reacção deles. Os EUA têm de estar preparados para eventuais retaliações. Assad perdeu uma base. Mas seriam necessários muitos mais ataques para o debilitar militarmente. Anotam observadores que o ataque americano não o paralisará, a não ser que toda a sua aviação seja impedida de levantar voo. Para tal seria necessário impor uma zona de exclusão aérea, o que está fora de questão pelo risco de conflito aberto com a Rússia.

Aos russos, Trump envia a mensagem de que são também responsáveis pelos crimes de guerra de Assad. Foram os russos que mediaram a crise das armas químicas em 2013 e que deram a garantia da sua completa destruição. E sabem o que se passa nas bases sírias. A propósito da guerra química comentou o secretário de Estado, Rex Tillerson, que visitará Moscovo na próxima semana: “A Rússia ou foi cúmplice ou foi incompetente.”

Putin tem a noção de que os Estados Unidos continuam impotentes perante o conflito sírio. Será tentado a demonstrá-lo? De momento, é um enigma. Parece evidente que Washington assume o risco de ver congelada a perspectiva de uma rápida cooperação com a Rússia nos grandes dossiers internacionais. Ou conseguirá Tillerson obter concessões de Putin após a demonstração de força na Síria? Há as maiores dúvidas.

O futuro não está apenas nas mãos de Trump mas também nas de Moscovo e Teerão. Reacções inesperadas podem fazer resvalar os EUA para um envolvimento mais sério no campo de minas da guerra civil síria. Moscovo ou Teerão poderão ser tentadas a forçar Trump a “mostrar o jogo”.

Um recado para Kim?

O bombardeamento de Sheikoun coincidiu com a cimeira entre Trump e Xi Jinping. Um dos temas da agenda era a Coreia do Norte. É óbvio que a demonstração de poderio foi também um recado para Kim Jong-un.

Acontece que o caso norte-coreano é muito mais ameaçador que o sírio, envolvendo cenários apocalípticos. Há muito que os norte-coreanos deixaram de visar uma negociação sobre o seu programa nuclear. A lógica da sua política é prosseguir a nuclearização até às últimas consequências. A sua doutrina estratégica visa impor o seu reconhecimento como potência nuclear, como única forma de garantir a sua segurança. A Coreia do Norte já não constitui um problema de não-proliferação, mas de dissuasão nuclear. Vai ser este o dossier mais duro para Donald Trump, avisou Obama.

O analista americano Steven A. Cook, especialista do Médio Oriente, escrevia ontem a propósito de Trump: “O ataque a Khan Sheikoun foi aquilo a que se chama um ‘momento clarificador’. Mostrou uma vez mais a monstruosidade do regime de Assad e também as limitadas opções na Síria. Bem-vindo ao mundo, Presidente Trump.”

Também a Coreia do Norte o aguarda na sua aterragem na realidade.

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