Terror em São Petersburgo

Qualquer graduação no impacte, na forma de repúdio até a nível emocional, é um modo enviesado de dar a entender que há reações diferentes face ao terror.

Já se sabia o que foi confirmado com o atentado terrorista contra os passageiros do metropolitano de S. Petersburgo. Há mortos e mortos. Os nossos. E os outros. Os nossos mortos são franceses, ingleses, belgas, estadunidenses ou alemães. Os outros são todos os outros, embora nesses outros todos também há uns mais que outros.

Os russos mortos em S. Petersburgo não mereceram os tempos de antena que os media ocidentais deram aos mortos do passeio de Westminster ao pé do parlamento do Reino Unido. E muito menos a emoção das emissões. A obrigatória referência à relação da Rússia com os bombardeamentos na Síria não teve equivalência nos media no que concerne aos bombardeamentos na Líbia ou no Iraque por parte da Grã-Bretanha.

Os seis mortos em Londres foram mortos por um britânico que estaria ligado ao Daesh, segundo a revindicação do Daesh. Os 11 mortos do metropolitano de S. Petersburgo foram mortos, segundo as autoridades russas, por um quirguize com ligação ao extremismo islâmico.

Na tarde do dia 3 de Abril, as televisões “pararam” para passar a comentar os acontecimentos de Londres. O atentado em S. Petersburgo não teve o mesmo tratamento, embora as vítimas fossem mais, mas não eram bem as nossas.

Houve até quem referisse que a Rússia de Putin tem problemas com os muçulmanos da Chechénia que faz parte daquele país; o que não acontece à Líbia, ou o Iraque, que os ingleses foram atacar militarmente.

Os chechenos podem não ser russos, podem querer ser independentes como os bascos ou os escoceses ou os catalães, mas por ora são parte da Rússia. Os catalães têm de ser espanhóis, como os bascos. Os chechenos, se ficassem independentes, enfraqueciam a Rússia… como os kosovares enfraqueceram a Sérvia.

Os sírios, os iraquianos, os iemenitas, os líbios, esses não são seguramente ingleses nem britânicos. Ao contrário do terrorista que atacou em Londres, que era cidadão do Reino Unido, o que atacou na Rússia não era russo.

Há uma diferença, embora todo o terrorismo só possa ser considerado do mesmo modo ignóbil.

O terrorismo no Ocidente é brutal e hediondo; o mesmo ocorre em S. Petersburgo ou em Moscovo. Onde quer que aconteça. Nenhum tem qualquer espécie de justificação e as condenações devem assumir as mesmas dimensões políticas, éticas, religiosas, emocionais e psicológicas, naturalmente em termos gerais.        

Todo o terrorismo é condenável, incluindo, por maioria de razão, o terrorismo de Estado, o qual é muito mais violento e tem outra proteção. As mortes humanas causadas pelos terroristas são quase sempre todas elas de cidadãos inocentes desligados de qualquer responsabilidade pelas políticas prosseguidas por certos governos.

Num contexto de vivência democrática, no interior de uma dada sociedade há uma luta que se pode e deve travar contra o que se considera errado; luta essa que os cidadãos podem utilizar e com ela dar expressão à concórdia ou ao repúdio pela ação dos respetivos governos. O terrorismo tem como objetivo tentar em vão paralisar o modo de viver de certas sociedades e o de tentar tomar ou manter poderes em certos países ou regiões que controlam ou pretendam vir a controlar.

O terror é uma arma para tentar impor uma política que impeça os cidadãos de desfrutarem a segurança acompanhada das liberdades e direitos cívicos arduamente conquistados. Mas é também uma política contra os próprios muçulmanos no sentido de os impedir de usufruírem direitos e liberdades universais, na medida em que os coloca sob o terror dos jihadistas.

Segundo o autoproclamado califa e os dirigentes jihadistas do Daesh, esta é a vontade do Deus que proclamam adorar, bem sabendo que a sua interpretação é tão hostil à vontade das gentes que só por via das crucificações, amputações e degolações se impõem à generalidade dos crentes muçulmanos.

O terror que se abateu sobre S. Petersburgo ou sobre Londres ou sobre Paris é próprio de organizações sem quaisquer vínculos a uma vivência democrática. Aliás, o Daesh considera a democracia uma heresia.

Qualquer graduação no impacte, na forma de repúdio até a nível emocional, é um modo enviesado de dar a entender que, apesar de tudo, há reações diferentes face ao terror. E que há vítimas que são mais “vítimas” que outras, que são as nossas. Porém, só temos um mundo que não é nosso. É de todos os que nele vivem. O mare nostrum dos romanos já acabou. E o dos impérios que se lhe seguiram. O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

 

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