PS arrisca processos-crime por causa das primárias de 2014

António Costa e António José Seguro podem ser constituidos arguidos por financiamento proibido. Em causa está a utilização gratuita de espaços públicos, o que é proibido pela lei de financiamento dos partidos e das campanhas.

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António Costa venceu António José Seguro nas inéditas eleições primárias do PS Nelson Garrido

O PS arrisca ser alvo de processos-crime por causa das primárias de 2014 entre António Costa e António José Seguro, por alegados financiamentos proibidos. Em causa estará a utilização de espaços públicos, a título gratuito, na campanha eleitoral interna, o que tem sido considerado como financiamento ilegal pela Entidades das Contas e Financiamento dos Partidos (ECFP) e pelo Ministério Público.

Foi exactamente esse o motivo que levou a que Miguel Pinto Luz, líder da distrital do PSD-Lisboa, tivesse sido constituído arguido, juntamente com outras quatro pessoas, no âmbito de um inquérito a decorrer no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP). A investigação foi revelada pela revista Sábado em Fevereiro e citava a Procuradoria-Geral da República: "Em causa estão indícios da prática de crimes de obtenção de financiamento proibido" para partidos políticos ou campanhas eleitorais.

O financiamento proibido consistia na utilização gratuita de uma sala do Centro Olga Cadaval para a convenção autárquica de 2012 do PSD. “Não sabia que era ilegal, quando soube mandei pagar os dois mil e tal euros e apresentei a factura ao procurador [do processo]”, alegou à Sábado o social-democrata.

Agora, a situação pode repetir-se, mas colocando em causa o actual primeiro-ministro e o anterior secretário-geral do PS. Isto porque o relatório preliminar da ECFP, ainda em fase de contraditório, sobre as contas do PS de 2014, nas quais foi englobada a contabilidade das eleições primárias, identifica várias situações do mesmo género.

Foi o próprio dirigente do PS responsável pelas contas do partido, Luís Patrão, quem contou ao jornal digital Observador que essa situação consta do relatório da ECFP. Uma das críticas feitas por este organismo do Tribunal Constitucional, conta Patrão, refere-se à “utilização de locais de acesso público como juntas de freguesia, escolas ou quartéis de bombeiros” que deviam, no entender dos auditores, “ter cobrado ao PS pelo aluguer do espaço”.

Ao PÚBLICO, o dirigente socialista faz questão de dizer que "o uso, pelos partidos políticos, de quaisquer espaços públicos habitualmente disponíveis aos cidadãos, para efeitos da realização de sessões ou atos dirigidos ou abertos à população em geral, é uma das condições básicas de qualquer democracia preocupada com o envolvimento cívico dos cidadãos na definição dos rumos da nossa vida coletiva". Nessa medida, defende Luís Patrão, "qualquer interpretação do regime legal vigente que se oponha a essa visão e leve a situações desajustadas e discriminatórias contará com a oposição do PS, por atentar contra a Constituição e contra as condições básicas da vida em democracia."

Apesar do argumentário do PS, a lei 19/2003, que regula o financiamento dos partidos, considera ser um financiamento proibido a recepção de “donativos ou empréstimos, de natureza pecuniária ou em espécie de pessoas colectivas nacionais ou estrangeiras” (artigo 8º). A proibição incide sobre pessoas colectivas (à excepção de empréstimos bancários), já que são permitidos, com regras e limites, donativos e empréstimos por pessoas singulares. 

No mesmo artigo 8º, o número 3 especifica ser proibido aos partidos “adquirir bens ou serviços a preços inferiores aos praticados no mercado”. Há excepções a estas regras para campanhas eleitorais, que são reguladas nas leis relativas a cada tipo de acto eleitoral. Só que não há nenhuma lei que se aplique às eleições primárias porque elas legalmente não existem, nem na lei nem nos estatutos de nenhum partido com assento parlamentar.

De acordo com a mesma lei, os dirigentes de partidos políticos, as pessoas singulares e os administradores de pessoas colectivas que participem na atribuição e obtenção de financiamentos proibidos podem ser punidos com uma pena de um a três anos de prisão.

Gastos cinco vezes superiores ao previsto

A questão dos financiamentos proibidos não é a única falha detectada pela ECFP nas primárias do PS. Segundo o Observador, os gastos dos dois candidatos foram cinco vezes superiores ao orçamentado. O PS previa que custassem 328 mil euros, mas os custos totais ultrapassaram os 1,65 milhões de euros.

António Costa tinha previsto gastar 163 mil euros e António José Seguro 165 mil euros. Quando foram apuradas as contas, acrescenta o Observador, a campanha do primeiro gastou 428.297 euros e a do esegundo 261.802 euros. A juntar a tudo isto, a comissão eleitoral, que deu apoio à logística de toda a campanha, terá custado 951.991 euros. 

O PÚBLICO solicitou o relatório à Entidade das Contas e ao PS, que já o recebeu para efeitos de contraditório, mas ambos se recusaram a divulgar o documento. Também António José Seguro e o seu mandatário financeiro nas primárias, Óscar Gaspar, se remeteram ao silêncio.

Ao Observador, Luís Patrão afirmou que o PS já contestou, em meados de Março, as falhas apontadas, enviando vários recados ao que considera ser excesso de zelo da ECFP, pelo que espera ser ilibado. Mas admite que os gastos foram, de facto, “mais elevados que o previsto”, justificando: “A adesão também foi muito superior ao previsto" - votaram 174.516 pessoas entre militantes e simpatizantes do PS.

Luís Patrão defende, ainda citado pelo Observador, que “a ECFP não tem capacidade para olhar para a conta das primárias e dizer que um gasto foi demasiado elevado, até porque não há comparativo. Nunca tinha havido primárias em Portugal.” E critica: “A troika foi-se embora e, pelo que sei, não se mudou para a Entidade das Contas”.

O secretário nacional do PS acrescentou que, pelas observações feitas no relatório, “até parece que a ECFP não gostou do sucesso e da dimensão que tiveram as primárias, quer financeiramente, quer de adesão.”

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