Improvisos

Tal como Obama, Trump é contra a banalização das intervenções militares dos EUA. Mas essa disponibilidade não é nem definitiva nem incondicional.

Numa aparente viragem da política do Presidente Donald Trump, os Estados Unidos decidiram retaliar contra o regime de Bashar al-Assad, responsável por um novo ataque com armas químicas contra populações civis perto de Idlib, na passada terça-feira: dois destroyers norte-americanos no Mediterrâneo lançaram uma salva de misseis de cruzeiro contra uma instalação militar em Sharyat, associada ao programa sírio de armas químicas.

Desde logo, essa decisão contrasta com a posição do Presidente Barack Obama, quando Bashar al-Assad o quis desafiar com uma acção similar em 2013: nessa altura, os Estados Unidos aceitaram uma proposta do Presidente Vladimir Putin para negociar um acordo nos termos do qual o regime sírio aceitou destruir os seus arsenais químicos. Obviamente, essas armas não foram destruídas e o recuo dos Estados Unidos marcou o início de uma escalada ofensiva da Rússia, com a anexação da Crimeia, a "guerra hibrida" na Ucrânia oriental e a intervenção militar na Síria.

Por outro lado, essa decisão parece pôr em causa a estratégia do novo Presidente. Tal como Obama, Trump é contra a banalização das intervenções militares dos Estados Unidos, mas, ao contrário do seu predecessor, estaria preparado para admitir uma linha de continuidade do regime alawita no quadro de uma negociação com a Rússia para conter a escalada da guerra civil na Síria.

Porém, o bombardeamento da base de Sharyat indica que essa disponibilidade não é nem definitiva, nem incondicional. Tudo leva a crer que Bashar al-Assad falhou o seu cálculo, se pensou que os Estados Unidos seriam indiferentes à repetição do massacre químico de civis, tanto mais quando essas armas já não deviam existir no arsenal do regime. No mesmo sentido, a decisão americana surpreendeu as autoridades russas, que se manifestaram contra a acção unilateral dos Estados Unidos e pretendem que esta se serve de um "falso pretexto" para violar a soberania da Síria. Mas a credibilidade de Putin nesse domínio é inexistente e Bashar al-Assad perdeu há muito qualquer legitimidade para invocar a soberania do Estado.

Por último, a decisão dos Estados Unidos é um aviso não só à Rússia, mas também à China: a retaliação armada contra Bashar al-Assad ocorre no momento em que Trump recebe o Presidente Xi Jinping na Florida. Na última versão da estratégia americana, Washington quer dizer a Moscovo que considera as autoridades russas responsáveis pelo comportamento de Bashar al-Assad e dos seus clientes sírios e também está a dizer a Pequim que considera as autoridades chinesas responsáveis pelo comportamento de Kim Jong-un e dos seus clientes norte-coreanos, que ameaçam prosseguir os seus ensaios com mísseis e armas atómicas.

Não há nenhuma boa razão para duvidar que a mensagem dos Estados Unidos foi bem entendida pela Rússia e pela China, assim como pelo Irão: o retraimento estratégico norte-americano não exclui o recurso à força militar no Médio Oriente.

Os suspeitos do costume devem estar a celebrar o regresso da ordem liberal: a União Europeia e a NATO exprimiram com zelo o seu apoio à intervenção dos Estados Unidos na Síria. Os mais cépticos, todavia, devem reconhecer que o retraimento estratégico continua a ser a tendência mais forte na política norte-americana, numa fase dominada por decisores com uma experiência limitada que substituem a definição de uma doutrina internacional coerente pelos improvisos.

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