Impunidade é um incentivo à banalização das armas químicas

O aviso é feito por especialistas e organizações de defesa dos direitos humanos. Damasco repete que não usou nem usará estas armas

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Uma das vítimas do ataque desta terça-feira em Idlib Ammar Abdullah/Reuters

Os repetidos ataques químicos que foram denunciados na Síria e a incapacidade para punir os responsáveis põem em risco décadas de combate a estes instrumentos de guerra. O alerta parte de especialistas em armas químicas e das organizações de defesa dos direitos humanos, numa altura em que o Conselho de Segurança volta a não conseguir ultrapassar divisões políticas para responder à morte de dezenas de pessoas em Idlib.

O Ministério da Saúde da Turquia, para onde foram levados 31 habitantes de Khan Sheikhoun, na província síria de Idlib, revelou que os primeiros resultados das autópsias a três vítimas “detectaram indícios de que estiveram expostas a uma substância química [sarin]”. Ancara adianta que os exames foram supervisionados por médicos da Organização Mundial de Saúde (OMS) e as amostras colhidas vão ser enviadas para a Holanda, para novos testes.

Dias depois do ataque cresce a convicção de que não foi cloro o que matou pelo menos 78 pessoas na terça-feira. “Foi sarin e digo-o por duas razões”, disse Abdel Hay Tennari, ao site Syria Deeply. “Em primeiro lugar, os sintomas eram consistentes com sarin […] em segundo, os pacientes que tratei recuperaram rapidamente depois de receberem Pralidoxima, que é um antídoto para o sarin.”

Identificar a substância usada em Khan Sheikhoun é determinante para apurar a autoria do ataque. Em 2013, após o ataque que matou centenas de pessoas em Ghutta, nos arredores de Damasco, o regime sírio aceitou eliminar os seus arsenais químicos, incluindo 1300 toneladas cúbicas de sarin. Mas já depois disso a Organização para a Proibição das Armas Químicas (OPAQ) levantou suspeitas de que não teria entregado tudo o que possuía.  

O ministro dos Negócios Estrangeiros sírio, Walid al-Moualem, repetiu nesta quarta-feira que a aviação síria bombardeou um armazém da Frente al-Nusra, o antigo braço armado da Al-Qaeda na Síria, onde estariam armazenadas armas químicas. “O Exército sírio nunca usou nem usará este tipo de armas.” “Se os rebeldes tivessem sarin, seria em quantidades mínimas, de um quilo ou pouco mais”, disse ao jornal Guardian Hamish de Bretton-Gordon, ex-comandante do regimento britânico de reacção a armas de destruição maciça, adiantando que o número de vítimas sugere que foram usados “centenas de quilos”.  

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Não investigar este ataque, o pior desde 2013, “seria catastrófico”, avisa a Amnistia Internacional, receando que a impunidade “encoraje governos e outros grupos armados na Síria a atacar civis com armas proibidas pelas convenções internacionais”.

No ano passado, a Sociedade Médica Sírio-Americana, que tem dezenas de clínicos na Síria, publicou um relatório com dados sobre 161 ataques químicos, quase todos com gás de cloro, dois terços dos quais ocorridos depois de aprovada a resolução que obrigou Damasco a desarmar-se. Uma comissão conjunta da ONU e da OPAQ investigou, sob mandato da ONU, nove incidentes em 2014 e 2015. Atribuíu três a Damasco e um ao Daesh – a resolução que condenava o regime sírio acabou vetada pela Rússia e a China. A Human Rights Watch documentou também oito ataques da aviação síria na fase final da ofensiva contra Alepo, no final do ano passado.

“Em 2016 assistimos à maior frequência de ataques com armas químicas desde 1916”, lamenta Bretton-Gordon, receando que o tabu que lhes está associado desde a I Guerra Mundial esteja a ser posto em causa. “Seria de esperar que o uso de armas químicas, tal como fez Assad em 2013, resultaria no seu derrube, fosse pelo seu povo, fosse pela comunidade internacional”, acrescenta o também britânico Richard Guthrie, no Guardian. “Mas tal não aconteceu. Por isso, qual é o desincentivo para um ditador que olhe para estas armas e pense ‘aqui está o que me pode ajudar a sobreviver’?”

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