Governo diz não ter provas de compromisso com Bruxelas para subsidiar central solar de Talone

O Executivo e a empresa do ex-presidente da EDP, João Talone, não se entendem quanto à atribuição de subsídios a uma central fotovoltaica em Lagos.

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Hyperion diz que Governo comunicou a Bruxela em 2014 que o projecto iria avançar ANTONIO CARRAPATO / PUBLICO

Há um braço de ferro entre o Governo e a Hyperion, a empresa de João Talone para as energias renováveis, mas não há papéis que provem que Portugal assumiu com Bruxelas o compromisso de fazer avançar uma central em Lagos que reclama uma tarifa bonificada (garantida e mais alta que o valor do mercado), que se traduzirá num custo de 80 milhões para os consumidores, segundo contas do actual Governo.

Só existe uma carta do anterior secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, ao anterior director-geral de Energia e Geologia, Pedro Cabral, a explicitar estes apoios, por via de uma tarifa bonificada de 97,5 euros por cada megawatt hora (MWh).

É pelo menos isso que assegura o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, numa carta enviada à Assembleia da República, em resposta às questões do PCP sobre os subsídios à central fotovoltaica de 20 megawatts (MW) da Hyperion, em Lagos.

Como foi noticiado recentemente pelo Expresso, a empresa do ex-presidente da EDP e ex-administrador do BCP, João Talone, já reclamou ao Governo a atribuição de uma tarifa bonificada de 97,5 euros por cada MWh produzido nesta central algarvia, um dos dois projectos que a Hyperion tem para Lagos. A Hyperion assegura que, em 2014, o Estado português se comprometeu com a Comissão Europeia em fazer avançar este projecto, que assenta numa tecnologia fotovoltaica inovadora.

Mas, do lado do Governo, subsistem as dúvidas quanto à atribuição desses subsídios que, no prazo de 20 anos dos contratos, irão traduzir-se num custo de 80 milhões de euros a suportar pelos consumidores portugueses, segundo os cálculos mencionados na carta. A este montante somam-se ainda apoios comunitários e também nacionais, por via do antigo Fundo Português de Carbono (hoje, Fundo Ambiental) ao projecto, que prevê um investimento em torno de 40 milhões de euros. 

Pelo que o PÚBLICO apurou, os apoios constam nas condições financeiras da candidatura do projecto da Hyperion ao programa europeu NER300, que foi apoiada pelo Estado português junto da Comissão Europeia, durante o Governo PSD/CDS, mas só serão efectivos se o actual secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, publicar uma portaria a validá-los, nomeadamente, a atribuição da tarifa administrativa de 97,5 euros por MWh.

Na pergunta dirigida no final de Março ao executivo de António Costa, o PCP questiona directamente se existe algum documento ou contrato que “suporte a afirmação do promotor de que há um compromisso do Governo anterior” quanto às tarifas subsidiadas. Segundo a carta enviada pelo gabinete de Pedro Nuno Santos, no que toca a compromissos com Bruxelas, a resposta é não: Não é “possível afirmar a existência de um compromisso do Estado português junto da Comissão Europeia relativamente ao valor da taxa de remuneração”, lê-se na carta, que tem data de 3 de Abril.

O que há, confirma o mesmo documento, é uma carta de 5 de Julho de 2013 do ex-secretário de Estado da Energia para o ex-director-geral de Energia em que se refere uma tarifa de 97,5 euros por MWh durante a vida útil do projecto (20 anos), bem como uma componente de 11,7 milhões de euros a suportar pelo Fundo Português de Carbono. Este "é o único documento presente ao Governo e referido como 'compromisso'", afirma-se na resposta ao PCP.

O Governo diz ainda nesta missiva publicada no site do Parlamento que “os valores mencionados pela Comissão Europeia, necessários para financiamento do projecto” foram de 12 milhões de euros de contrapartida nacional e de oito milhões de fundos comunitários (que se somam aos 80 milhões da tarifa garantida), mas não esclarece em que circunstâncias, em que documento, e a quem é que estes valores foram apresentados pelo Executivo comunitário como condição de financiamento.

A carta também salienta que, apesar do impacto efectivo deste projecto nos consumidores de energia eléctrica não ser ainda “totalmente mensurável”, ficou evidente, na análise que Jorge Seguro Sanches pediu à Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), que os custos com este projecto não estão ainda reflectidos nas estimativas de evolução do défice tarifário.

Na edição desta quarta-feira, o Correio da Manhã também refere a existência de um email enviado pela Agência Portuguesa do Ambiente aos promotores do projecto (a Talone junta-se Pedro Mendes Rezende, ex-gestor da EDP) em que é referido o valor da tarifa garantida. O email tem a particularidade de ter sido enviado na noite em que Paulo Portas se demitiu do Governo de Passos Coelho (na sequência da escolha de Maria Luís Albuquerque para substituir Vítor Gaspar na pasta das Finanças), a 2 de Julho, já depois das 23h, refere o Correio da Manhã.
 

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