Pepsi fez "manif" com Kendall Jenner e enfrenta agora um protesto a sério

Pode uma lata de refrigerante resolver um conflito social? A Pepsi achou que sim e recorreu à modelo e estrela televisiva Kendall Jenner para um novo anúncio que está a ser mal recebido nos EUA.

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O anúncio foi partilhado esta terça-feira DR

Pode ser Pepsi? A julgar pela reacção dos norte-americanos à nova campanha publicitária da marca de refrigerantes, talvez não. Numa tentativa de se aproximar de uma faixa demográfica mais jovem que tem fugido para o consumo de produtos rivais, a Pepsi resolveu capitalizar o actual momento de tensão social e política nos Estados Unidos e lançar um anúncio inspirado nas manifestações que tantos jovens norte-americanos têm levado às ruas. O filme foi partilhado esta terça-feira e tornou-se viral, mas não pelas melhores razões. Menos de 24 horas depois, a empresa acabou por anunciar a retirada do anúncio (leia a notícia actualizada).

No vídeo intitulado Live For Now Moments Anthem (Hino de Viver pelo Momento Agora, numa tradução bastante livre para português), a modelo e estrela televisiva Kendal Jenner (do clã socialite Kardashian) interrompe uma sessão fotográfica para se juntar a uma manifestação pacífica que percorre as ruas de uma cidade. Qual o motivo do protesto? Nunca se percebe, mas a Pepsi mostra-nos de seguida qual é a solução do hipotético problema. No momento central do anúncio – aquele que está a ser alvo de um maior número de críticas –, Kendall avança em direcção a um polícia e entrega uma lata de Pepsi, o que gera uma reacção eufórica dos manifestantes e arranca um sorriso ao agente da autoridade. A crise é resolvida com uma lata de refrigerante, ao som de Lions de Skip Marley, neto de Bob Marley.

O anúncio de Kendall Jenner é insensível?

O problema é que a manifestação fictícia está a gerar protestos reais contra a Pepsi. A maioria dos críticos do anúncio acusa a empresa de leviandade ao retratar uma manifestação como um mero evento trendy, uma festa de rua para gente jovem e bonita, e não um acto de intervenção política e social que visa atrair a atenção do poder político e da opinião pública para um problema de relevo. O impasse retratado no anúncio entre os manifestantes e os agentes da autoridade é indissociável, por exemplo, das imagens dos protestos do movimento Black Lives Matter, que tem denunciado a morte frequente de afro-americanos às mãos da polícia. O problema, lembram os críticos, é que a violência policial não se evita nem se resolve com uma lata de Pepsi.

O que estará na origem da falta de sensibilidade dos autores da campanha? Nas redes sociais, há quem sugira a ausência de diversidade de pontos de vista e de experiências de vida na direcção de grandes empresas como a Pepsi. “Isto é o exemplo perfeito do que acontece quando não existem pessoas negras na sala quando estão a ser tomadas decisões importantes”, escreve um dos comentadores.

A morte de Michael Brown, o jovem norte-americano de 18 anos abatido a tiro em Ferguson por um agente da polícia a 9 de Agosto de 2014, e que se tornou um símbolo da injustiça e da discriminação racial na América, é um dos episódios referidos agora na reacção à campanha publicitária da Pepsi.

A escolha de Jenner, uma modelo branca de 21 anos, membro de um abastado clã de Hollywood mais conhecido pela presença em reality shows como Keeping Up With The Kardashians do que pelo activismo social, para protagonizar o anúncio, é também alvo de críticas.

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"Taking A Stand In Baton Rouge", 1.º Prémio na Categoria de Temas Contemporâneos JONATHAN BACHMAN/THOMSON REUTERS

Do ponto de vista criativo, são ainda assinaladas as fortes semelhanças da cena final do anúncio com a fotografia de Ieshia Evans, a mulher que enfrentou calmamente a polícia, estendendo as mãos para ser detida, numa manifestação pelo movimento Black Lives Matter no Luisiana, em Julho do último ano, que foi vencedora do 1.º prémio na categoria de Temas Contemporâneos do World Press Photo 2017.

E há quem recorde as parecenças entre todo o anúncio e o videoclipe do tema Out Of Control dos britânicos Chemical Brothers. No vídeo de 1999, a música é acompanhada por imagens de um protesto onde os manifestantes enfrentam forças policiais recorrendo a um refrigerante da marca fictícia Viva Cola. Ironicamente, só no final do vídeo se percebe que a suposta manifestação não passa de um anúncio, e o clipe fecha com a reacção negativa de activistas que destroem máquinas de venda da Viva Cola – imagens quase premonitórias da reacção negativa ao anúncio da Pepsi, numa sátira ao poder (e também à falta de sensibilidade) da publicidade.

Perante tamanho desaire, há utilizadores do Twitter que sugerem, com algum humor, se a campanha da Pepsi não será afinal um anúncio da Coca-Cola – cuja publicidade recorre frequentemente a mensagens sociais – lançado para prejudicar a imagem da empresa rival.

Entretanto, a Pepsi já respondeu à polémica numa nota enviada à revista de marketing e publicidade AdWeek, defendendo que o anúncio tem um carácter “global” e que “reflecte pessoas de diferentes caminhos a unirem-se num espirito de harmonia”. 

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