Paula Rego: a toca do lobo

O que parece um documentário de factura clássica torna-se num retrato desarmante do modo como a arte se alimenta da vida: Paula Rego: Histórias & Segredos

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Abre-se uma gaveta de segredos sobre a vida pessoal de Paula Rego e o modo como isso se reflectiu na sua arte
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Este podia ser mais um daqueles impecáveis documentários de factura clássica da BBC, combinação de resumo de carreira e introdução a uma figura importante do mundo das artes — o que por si só já seria bastante bom. Mas Histórias & Segredos (que foi, de facto, produzido pela BBC) traz algo mais do que apenas isso — não apenas por causa de ser Paula Rego que está no seu centro, nem por ser o filho da pintora, Nick Willing, que está por trás da câmara, nem por ser um “filme de família” que fica pela rama das coisas para não suscitar crispações.

Não, Histórias e Segredos é um filme que leva essa convenção a limites onde a maioria dos documentários geralmente não vai, abrindo verdadeiramente uma gaveta de segredos sobre a vida pessoal de Paula Rego e o modo como a sua educação, a sua história familiar, o seu amor (retribuído) por Victor Willing e a sua vida entre Portugal e o Reino Unido ao longo dos anos se reflectiram na arte que ela foi produzindo ao longo dos anos.

Um pouco como A Toca do Lobo de Catarina Mourão, mas expondo-se de maneira mais frontal no interior de uma forma mais convencional, Histórias & Segredos levanta com extraordinária candura o véu sobre o modo como a arte não surge num vácuo, mas se alimenta e enriquece da vida pessoal de quem a faz. Não o faz recorrendo àquele clássico bordão que diz que é preciso sofrer para chegar ao âmago; fá-lo explicando — com uma contenção particularmente britânica e com um pudor tanto mais notável quanto o que aqui se conta é muitas vezes por natureza delicado — que foi esta a vida de uma artista específica, e que foram estes os acontecimentos e os contextos que moldaram a sua arte.

É evidente que estar o filho da artista atrás da câmara dá uma mais-valia de franqueza e abertura, mas é ainda mais evidente que, precisamente por isso, e pela própria reputação “sem papas na língua” de Paula Rego, Willing quis fazer um filme à altura da mãe. Que abre uma gaveta cheia de segredos, mas não se alonga ali a observá-los de modo voyeurista, nem puxa tudo cá para fora para os explorar de modo sensacionalista. Em vez disso, trata-os com a naturalidade com que a própria mãe os conta, não faz bicho de sete cabeças, não perde nunca de vista que nada disto teria peso por si só, e que só por ter tido o peso que teve na construção da arte de Paula Rego é que se justifica falar dele.

É um filme à imagem do seu objecto: frontal, descomplexado, desconcertante na sua franqueza, e sem para isso precisar de recorrer a mais do que o que tem à sua frente. Uma câmara, uma pessoa que conta histórias, uma imagem fixa que se abre a mil leituras.

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