“Mesmo com maioria absoluta, seria útil” manter a “geringonça”, diz Costa

Em entrevista à Renascença, o primeiro-ministro confirma que Mário Centeno foi convidado para presidir ao Eurogrupo, mas prefere que o ministro mantenha “a liberdade” na frente europeia.

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António Costa Reuters/STRINGER

António Costa defende que o modelo da “geringonça” — em que o PS governa com base no seu programa e nos acordos escritos com partidos mais à esquerda — se deve manter mesmo que os socialistas venham a ganhar a maioria absoluta nas próximas eleições legislativas. “Esta solução de governo é boa, com maioria absoluta ou sem ela”, afirmou em entrevista à Rádio Renascença na manhã desta terça-feira. Ainda que tenha afirmado sobre a maioria absoluta: "Não tenho sonhos desses".

“Eu sempre achei que este modelo ia correr bem, achavam que era um optimista mas a verdade é que tem funcionado bem porque todos temos mantido a margem de liberdade de cada um, a solidez de cada um e sem impedir que o governo cumpra o seu programa”, sublinhou o primeiro-ministro e líder do PS.

Questionado sobre se mantém em aberto a opção de integrar membros do Bloco de Esquerda no governo, garantiu que não. “A entrada de outros partidos no governo ficou arrumada logo de início”, afirmou, afastando também a hipótese de, nas próximas eleições, haver alguma coligação pré-eleitoral. “Em equipa que ganha não se mexe”. No entanto, garantiu: “Se nas próximas eleições tivermos maioria absoluta, acho que ainda assim seria útil manter este modelo, que melhorou o nível da democracia”.

Para já, quer cumprir a legislatura “com tranquilidade”, porque “há muito trabalho para fazer”. Com a ajuda de Mário Centeno, que “seria um excelente presidente do Eurogrupo” mas que António Costa considera que “não é uma prioridade”. O primeiro-ministro confirmou a sondagem feita para o cargo, que diz ser prestigiante para Centeno e para o país, mas a opção é outra. “Julgamos que nesta fase é útil o ministro das Finanças de Portugal ter uma margem maior de liberdade no âmbito do Eurogrupo, o que não teria se fosse presidente”, afirmou, rematando: “Há mais marés que marinheiros”.

Uma das próximas batalhas de Mário Centeno é convencer as instituições europeias de que Portugal merece sair do procedimento por défice excessivo (PDE), o que Costa não dá por adquirido: “Fizemos tudo o que podíamos fazer, mas nas matérias europeias temos de estar preparados até à última hora. Há uma enorme instabilidade nos critérios estatísticos [da União Europeia]”.

A dúvida, disse, é saber como vai ser contabilizada a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos [CGD], se como despesa se como investimento, como defende o primeiro-ministro: “A UE autorizou-a e portanto significa que a vê como investimento. Mas se não for esse o critério, ficaremos [com um défice] muito perto dos 3%”, disse.

O governo irá sempre alegar que é uma medida extraordinária e uma reforma estrutural, ainda que confesse que esta expressão o “arrepia” — “a mim e a muitos portugueses”. Além disso, insiste em defesa da saída do PDE: “A economia esteve sempre a acelerar em 2016, estabilizámos a dívida bruta e reduzimos a líquida, houve redução do défice estrutural, cumprimos todos os critérios e mais alguns”.

“Não vai haver nenhum banco mau”

O primeiro-ministro reconhece que há, como dizem várias instituições internacionais, um problema de crédito malparado na economia portuguesa, porque o governo anterior adiou “os problemas para depois da saída limpa”. Mas considera que hoje a situação é já muito diferente do que era há um ano e por isso afirma: “Não vai haver nenhum banco mau”. Mas há veículos, mecanismos úteis que evitam a destruição de valor, que permitam melhor cobrança de créditos e a recuperação de empresas viáveis”.

Os próprios bancos têm vindo a encontrar soluções, disse: “A capitalização da CGD permitirá que ela resolva o seu problema de crédito mal parado. O Novo Banco tem um mecanismo de gestão, o Millenium BCP tem dito que considera ter a situação controlada. Hoje necessitamos um mecanismo diferente do que precisávamos há um ano atrás”.

Já sobre o Montepio foi mais cauteloso. Defendeu a separação da caixa económica transformada em sociedade anónima da mútua, esta um “instrumento de poupança de muitas famílias que é necessário preservar”. Questionado directamente sobre se está descansado em relação aos produtos do Montepio, Costa foi ainda mais cuidadoso: “Em relação àqueles [da mútua] que estão na alçada do Ministério do Trabalho sim”.

Quanto ao Novo Banco, insistiu que o modelo de venda a que se chegou, em que o Estado mantém 25% de participação, é considerado “uma solução equilibrada”. “O Estado credibiliza o banco e a solução e permite encontrar um modelo em que o Estado, através do Fundo de Resolução, possa vir a beneficiar da capitalização que venha a ser conseguida”, argumentou Costa. Aliás, afirmou que a opção não foi do Estado. Foi a Lone Star que apenas se propôs comprar 75%.

Na sua opinião, “os riscos são minorados relativamente à proposta inicial e às alternativas existentes”, como a nacionalização, que obrigaria a um esforço imediato muito grande dos contribuintes. “O mais importante era assegurar que o Novo Banco tem continuidade, porque é um banco importante para a economia. Se não fosse vendido, era liquidado, era destruído. Era preciso evitar um maior risco para os contribuintes. Nesta solução, os contribuintes não tem que desembolsar já nada”, garantiu.

Costa lembrou que em Janeiro foi definido um critério que permitiu garantir que esta venda não tem um efeito perturbador na consolidação do sistema bancário e que o financiamento do Estado não é gratuito, é com juros e será pago ao longo dos próximos 30 anos.

A conclusão, segundo António Costa, é que a situação do sistema financeiro é houve muito diferente, muito melhor, do que era há um ano.  “Não vivemos na Alice no País das Maravilhas. Mas há um ano estávamos numa situação dramática. Ao longo deste ano fomos melhorando”. Só falta “um bom mecanismo eficiente” para o crédito malparado. 

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