A vergonha do Montepio 1: Tomás Correia

É importante gastarmos algum tempo a olhar para o que se está a passar, porque é demasiado grave e demasiado parecido com o que se passou no BES

Existe aquela frase famosa de Marx, de que a história se repete, primeiro como tragédia e depois como farsa. Pois bem: se a tragédia foi o BES, a farsa está a ser o Montepio Geral. É importante gastarmos algum tempo a olhar para o que se está a passar, porque é demasiado grave e demasiado parecido com o que se passou no BES. Em tudo: na relação duvidosa de um banco com o grupo que o detém, contaminando-se mutuamente; na existência de um homem sobre o qual recaem graves suspeitas mas que não abandona o seu lugar; e nas dificuldades de supervisão, que conduzem a um incompreensível arrastamento dos problemas. Visto de fora, as coisas parecem óbvias – aquela gente precisa de ser corrida dali para fora, e quanto mais depressa, melhor –; visto de dentro, há uma paralisia muito difícil de explicar. Convém, por isso, responder a três perguntas simples: 1) Quem desgraçou o Montepio? 2) Porque é que o governo está a demorar tanto tempo a agir? 3) Que soluções existem para salvar o banco e a associação mutualista?

É importante começar por lembrar que não existe um Montepio Geral, mas dois: a Caixa Económica Montepio Geral – ou seja, o banco propriamente dito, que é supervisionado pelo Banco de Portugal –; e a Associação Mutualista Montepio Geral, dona a 100% da Caixa Económica, mas cuja actividade está fora da supervisão de Carlos Costa. A Associação Mutualista é uma instituição particular de solidariedade social (IPSS) e, como tal, está sob a alçada do Ministério do Trabalho e Segurança Social, que não tem a menor capacidade técnica parar gerir um caso desta complexidade. E há ainda – cereja em cima do bolo – um aspecto que faz tremer qualquer governo: a associação mutualista tem mais de 530 mil associados (números que constam do seu site – nas notícias vejo referir 600 mil e até 650 mil), muitos dos quais com as poupanças investidas na associação e nos seus produtos (sim, tal como no caso do BES/GES, há produtos da associação que foram vendidos aos balcões do banco, sem que se percebesse claramente a diferença entre uma coisa e outra), e cujo dinheiro não está ao abrigo do Fundo de Garantia de Depósitos.

Isto significa que no caso de a Associação Mutualista falir, os sócios não têm neste momento qualquer espécie de protecção. Imaginem meio milhão de lesados do Montepio nas ruas e perceberão a sensibilidade do problema. Fala-se agora na criação de um Fundo de Garantia Mutualista, mas ele ainda não existe. O que existe é isto: um presidente da associação – Tomás Correia – suspeito de vários crimes praticados enquanto liderava a Caixa Económica Montepio Geral, obrigado pelo Banco de Portugal a deixar a presidência do banco mas que se mantém como presidente da dona do banco e não arreda pé (primeiro momento surrealista); e um presidente da Caixa Económica Montepio Geral – José Félix Morgado –, que após o seu primeiro ano de mandato completo à frente do banco foi logo apanhado a tentar maquilhar as contas de 2016 (segundo momento surrealista), através de uma operação de mera cosmética que felizmente foi travada. Espantosamente, Félix Morgado continua a manter a idoneidade, Vieira da Silva nada diz sobre Tomás Correia, e quando questionado sobre se está descansado em relação ao Montepio, o ministro das Finanças responde: “Estou descansado em relação ao meu trabalho.” Louve-se a sinceridade. É que, de facto, não há quaisquer razões para estarmos descansados. Mais sobre isto na quinta-feira.

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