Governo: resposta a agressão a árbitro tem sido exemplar

Executivo não quer colocar a hipótese da irradiação de jogadores em cima da mesa, mas aceita discutir o tema com os responsáveis do futebol. Lisboa, Porto, Viseu e Aveiro concentram maioria dos casos de agressão a árbitros.

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Governo quer discutir com agentes do futebol a prevenção da violência Adriano Miranda

Marco Gonçalves não teve uma carreira assinalável no futebol, mas, aos 34 anos, a fama bateu-lhe com estrondo à porta pelos piores motivos. Uma agressão a um árbitro durante uma partida da distrital do Porto foi captada por uma câmara e, subitamente, todo o país acordou para a questão da violência sobre a arbitragem. Não foi o primeiro caso (já se registaram 43 esta temporada), nem mesmo o mais grave, mas teve o condão de abrir o debate sobre a moldura penal para este tipo de ocorrências.

A eventual irradiação de atletas que protagonizem actos como este está em cima da mesa, mas o Governo, não quer tomar a iniciativa de promover uma alteração do Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD), para introduzir esta sanção extrema. Para já, o executivo prefere discutir o tema com os agentes do futebol e destaca a forma exemplar como este incidente tem sido tratado.

“Este caso até acaba por ser, de alguma forma, exemplar. O clube tomou uma atitude, que foi a de afastar o jogador; as autoridades policiais intervieram de imediato, com um contingente no estádio que me pareceu adequado. O agressor foi presente a tribunal e, de alguma maneira, o sistema funcionou”, salientou ao PÚBLICO o secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo Rebelo. Quanto à questão da irradiação, chuta para canto: “Não é o meu papel afastar ou colocar em cima da mesa a questão da irradiação, que é uma matéria controvérsia e dividiu os agentes desportivos. Tal hipótese deve partir da iniciativa dos agentes desportivos. O Governo não deve fechar nem abrir esta discussão. Por princípio estamos abertos a discutir o tema da violência no desporto. Com isto não quero desvalorizar o que aconteceu, que é muito grave.”

A pena de irradiação (ou mesmo a suspensão por tempo indeterminado) foi excluída do regime disciplinar em 1993, já que representava uma espécie de “pena de morte desportiva”. E uma reintrodução desta penalização teria de estar enquadrada numa nova alteração do RJFD, por iniciativa legislativa e proposta do Governo. Um tipo de pena que nem sequer está previsto no próprio Código Mundial Antidopagem, apesar da moldura sancionatória poder ser muito pesada, com penas que podem chegar aos 15 e 20 anos de suspensão. Face a tudo isto, o executivo não quer reagir a quente, mas antes abrir o diálogo com as entidades responsáveis pelo futebol nacional.

“A nossa preocupação deve ser trabalhar a montante este tipo de questões. Trabalhar ao nível da prevenção, da promoção da ética desportiva, desde logo entre os mais jovens, nos escalões de formação”, defendeu João Rebelo Pinto. “Espero, ainda esta semana, ter uma reunião com a Federação Portuguesa de Futebol [FPF], Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol [APAF], entidades com quem falo amiúde. Iremos discutir um conjunto de questões e abrir uma campanha de sensibilização, que não quero que seja apenas ao nível do Governo, mas com o envolvimento de todos os agentes. Estamos a falar de uma cultura desportiva que tem de ser trabalhada para que este tipo de casos não volte a suceder.”

Também empenhada em que incidentes violentos como este sejam totalmente banidos do futebol português continua, naturalmente, a APAF, que acredita que o segredo reside nas punições aplicadas aos prevaricadores. “Não nos compete a nós estar a sugerir as penas que estes jogadores devem sofrer, mas obviamente que este tipo de comportamentos, até por uma questão dissuasora, devem ter sanções compatíveis com tais actos cobardes”, salientou ao PÚBLICO Luciano Gonçalves, presidente do organismo, que não comentou a questão da irradicação, mas acabou por defender que jogadores que tenham atitudes como esta “não são dignos de fazer parte da família do futebol”.

“Esta temporada, já foram sinalizados 43 casos de agressões a árbitros, contando com este. O principal problema é não condenar os responsáveis de uma forma exemplar. Não pode é existir este cúmulo, em que temos associações que penalizam uma agressão a um árbitro com dois jogos de castigo e outras que penalizam com seis meses. E é precisamente o mesmo tipo de agressão. Este foi o caso que teve mais visibilidade, mas houve outros com esta gravidade”, concluiu.

Entre os casos registados esta época desportiva, oito ocorreram em partidas organizadas pela Associação de Futebol (AF) de Lisboa, cinco (incluindo a deste domingo) pela AF do Porto. Viseu e Aveiro destacam-se também neste mapa negro, sendo os restantes mais residuais.

Face à repercussão do mais recente caso de violência sobre árbitros, a FPF reagiu esta segunda-feira. “A agressão a que todos pudemos assistir é inaceitável no futebol e na sociedade”, referiu Ana Raquel Brochado, porta-voz e vogal do Conselho de Arbitragem (CA). Já a direcção do organismo que tutela o futebol nacional anunciou o policiamento obrigatório em jogos de clubes com um historial de violência. “É absolutamente intolerável e inqualificável aquilo a que assistimos. Pedimos à AF Porto que nos dê todas as informações relativamente a todas as incidências do jogo. O Presidente do CA da FPF tem acompanhado de perto tudo o que se passou e disponibilizou de imediato todo o apoio ao árbitro. O que nós desejamos é que actos como estes sejam completamente erradicados”, sintetizou Hermínio Loureiro, vice presidente da FPF.

Com termo de identidade e residência (e proibido de contactar árbitros e de entrar em recintos desportivos), Marco Gonçalves aguarda agora o desenrolar do processo disciplinar que lhe será movido pela AF do Porto, presidida por Lourenço Pinto. Para já, o ex-avançado do Canelas 2010 está sem clube e com poucas perspectivas de regressar aos relvados. A súbita exposição mediática tornou-o num símbolo da violência no futebol, uma fama que nunca alcançara através dos seus dotes no desporto-rei.

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