Até os peixes-zebra precisam de amigos nas situações difíceis

Peixes-zebra mostram ter menos medo perante uma ameaça quando estão em cardume. Novo trabalho parte destes peixes como modelo animal para estudar o comportamento social humano.

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Ilustração de peixes-zebra Rodrigo Abril de Abreu

Já todos passámos por situações complicadas e notámos a diferença quando somos apoiados, ou não, por aqueles que nos rodeiam. Ora parece que este comportamento não é exclusivo dos seres humanos. Um trabalho agora publicado na revista Scientific Reports por uma equipa portuguesa, e coordenado pelo investigador Rui Oliveira, do ISPA- Instituto Universitário, demonstrou que o peixe-zebra precisa de “apoio social” para ultrapassar situações difíceis.

Rui Oliveira tem estudado, tanto nos peixes-zebra e como nas tilápias (um peixe de Moçambique), os comportamentos sociais e a forma como informação social influencia os mecanismos biológicos. Por exemplo, em 2001 publicou na revista Nature os resultados de um trabalho em que concluía que os machos das tilápias que assistiam a uma luta ou competição entre outros machos viam aumentar os seus níveis de testosterona, tal como os espectadores de um jogo de futebol. “Estamos a mostrar, nos nossos peixinhos, que não é o que lhes está a acontecer o que realmente interessa, mas a percepção que eles têm do que lhes está a acontecer”, dizia em entrevista ao PÚBLICO em 2012. “E que essa percepção tem um efeito diferencial no cérebro.”

Agora o ponto de partida do novo trabalho para estudar o comportamento social foi o peixe-zebra, cujo os adultos têm cerca de cinco centímetros de comprimento e é um modelo animal muito usado em investigação médica e nas neurociências do comportamento. Nas experiências em cardumes e em peixes sozinhos para este novo estudo, foi utilizada o que se designa por “substância de alarme”, que é química. “Na natureza, a substância de alarme é habitualmente libertada quando um peixe-zebra é ferido, servindo de potencial indicador da presença de uma ameaça por perto, como um predador”, explica-nos a principal autora do artigo, Ana Faustino, do Instituto Gulbenkian de Ciência (em Oeiras), do ISPA- Instituto Universitário e da Fundação Champalimaud, em Lisboa.

No caso deste estudo, Ana Faustino refere que foi usado um stock desta substância para simular perigo ou ameaça. “O peixe-zebra, quando exposto sozinho à substância de alarme, exibe uma resposta de medo muito forte e típica: permanece imóvel no fundo do aquário.”

O que se observou então quando os peixes foram expostos a esta substância? Na primeira experiência, viu-se que os peixes-zebra mostraram menos medo numa situação de ameaça, quando conseguem ver e cheirar o seu cardume, do que quando estão sozinhos. Isto demonstrou assim que há “apoio social” nesta espécie.

Uma neurobiologia dos comportamentos sociais

Depois, os investigadores tentaram perceber qual era a informação mais importante – a visual ou a do olfacto – para a diminuição da resposta de medo numa situação de ameaça. Observou-se então que a visual teve mais impacto. “Este trabalho mostra que ‘ver’ outros membros da mesma espécie é mais eficaz do que apenas ‘cheirá-los’, num contexto de exposição continuada a uma ameaça”, afirma Ana Faustino. E os cientistas ainda viram que o apoio social não depende da dimensão do cardume.

Por fim, de acordo com um comunicado da equipa portuguesa, o estudo mostrou ainda que “o fenómeno de suporte social em peixe-zebra desencadeia um padrão específico de activação em várias áreas cerebrais (área pré-óptica e amígdala)” que estão envolvidas no mesmo fenómeno em mamíferos. “Este conjunto de resultados sugere uma origem evolutiva comum nos vertebrados para o comportamento de suporte social e providencia novas provas sobre os mecanismos comportamentais, sensoriais e neurais envolvidos neste comportamento social”, explica ainda a principal autora do artigo.

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A investigadora Ana Faustino DR

E de que forma este estudo pode ter uma aplicação nos seres humanos? “Através do estudo no peixe-zebra dos mecanismos sensoriais e neurais subjacentes ao suporte social, conseguimos perceber como é que o cérebro humano processa um evento stressante na presença ou na ausência de apoio de outros membros do seu grupo, como a família ou os amigos”, responde Ana Faustino.

Problemas como a depressão ou a ansiedade estão muito associados a níveis elevados de stress. Por isso, o apoio social pode ser um factor determinante para fazer frente a estados depressivos, daí que seja pertinente perceber como o apoio dos outros contribui tanto para reduzir o stress a nível hormonal como para ver o que se passa no cérebro, explica a investigadora. “Assim, o estudo do suporte social e respectivos mecanismos neurais poderá vir a ser útil na descoberta de novos tratamentos para a depressão ou ansiedade, contribuindo desta forma para a saúde mental humana.”

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