“Sim”, o inspector da PJ ficou sozinho junto a um saco de euros. Terá desviado 200 mil?

Começou nesta segunda-feira o julgamento do inspector da Polícia Judiciária acusado pelo Ministério Público de ter desviado dinheiro durante uma busca domiciliária. Para já, o arguido nada diz.

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Inspector da Pj é acusado pelo MP de ter desvido pelo menos 200 mil euros Rui Gaudencio

O inspector da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária (PJ), acusado pelo Ministério Público de ter desviado 200 mil euros durante uma busca a uma residência, recusou-se a prestar declarações no primeiro dia do julgamento, que começou na manhã desta segunda-feira no Tribunal de Cascais.

O caso data a 3 de Fevereiro do ano passado, está ligado a uma operação denominada Rota do Atlântico que envolve, entre outros, o empresário e antigo agente de jogadores de futebol José Veiga.

O inspector da PJ, de 40 anos, que está em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Évora desde 26 de Julho de 2016, acusado de peculato, integrava a equipa de três inspectores que, na manhã de 3 de Fevereiro de 2016, teve como missão uma busca a uma vivenda da Quinta Marinha, em Cascais, pertença de empresa West Side World, que era habitualmente usada pelo então ministro das Finanças da República do Congo, Gilbert Ondongo.

Segundo o despacho de acusação do Ministério Público, divulgado pela agência Lusa, Emanuel Briosa terá retirado, “pelo menos, um maço com mil notas de 200 euros, no valor global de 200 mil euros, escondendo-o dentro de uma mochila sua que estava na bagageira” do carro da PJ.

O que aconteceu na manhã desta segunda-feira no Tribunal de Cascais foi uma viagem detalhada a essa manhã de 3 de Fevereiro do ano passado. Uma viagem conduzida pelas memórias de duas testemunhas, já que Briosa afirmou que só falará “no tempo próprio”.

Testemunharam pois o inspector que comandou a busca e a inspectora que a integrou juntamente com o arguido.

Em relação ao que consta da acusação não houve grandes novidades; a operação começou manhã cedo na vivenda em Cascais; antes, os inspectores já tinham conhecimento de que poderia ser encontrado dinheiro e o trabalho prolongou-se durante todo o dia. Isto porque na cave da casa, transformada “numa espécie de discoteca”, foi descoberta uma porta blindada, e depois uma outra e, por fim, dois cofres num pequeno espaço. Nesses cofres estavam dezenas de maços de notas, a maioria cintada e embalada em plástico, num total de três milhões de euros, num cofre, e outro tanto, em dólares, no outro.

O objectivo da presidente do colectivo de juízes e do procurador do Ministério Público nesta segunda-feira foi confirmar se o inspector Briosa em alguma ocasião terá ficado sozinho com o saco que continha os três milhões de euros. As testemunhas confirmaram o que já está na acusação. “Sim.”

Quantos minutos?

Depois de abertos os cofres por um especialista, o arguido colocou num saco os euros e, enquanto os seus outros dois colegas enchiam outro saco com os dólares, transportou-o para o piso térreo da vivenda ficando algum tempo sozinho com o saco.

Os testemunhos dos seus colegas da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ divergiram ligeiramente em dois pontos. Segundo o chefe da equipa, o agora arguido ficou sozinho “dois a três minutos”. Já de acordo com a inspectora, “ficou seguramente mais de um minuto”, deixando a entender que esse tempo podia ter sido superior ao referido pelo seu colega.

A outra pequena divergência verificou-se sobre o local onde estaria Briosa quando os outros dois inspectores chegaram ao piso térreo. O chefe da equipa diz que ele estava no jardim exterior à sala onde estava o saco. Facto que, contou, até justificou uma reprimenda a Briosa por não estar junto aos milhões de euros. Este, porém, garantiu-lhe que esteve “sempre a ver o saco dinheiro” enquanto fumava um cigarro no exterior da casa.

Já a outra inspectora disse que Briosa estava mais afastado, e que se dirigia do carro da PJ, estacionado no jardim da vivenda e junto à garagem, para a casa, assegurando que de onde estava na altura “não via o saco”.

Os dois inspectores nada referiram sobre o facto de a acusação dizer que Briosa “escondeu dentro de uma mochila sua que estava na bagageira” os referidos 200 mil euros. Mas também nada disseram sobre isso, porque nada lhes foi perguntado.

Dívidas para pagar

Ainda de acordo com a acusação do Ministério Público citada pela Lusa, Emanuel Briosa gastou parte dos 200 mil euros “em diversas despesas em bens e serviços de diversa natureza incompatíveis com o seu padrão de vida”.

Em cinco meses “alterou o seu estilo de vida, designadamente com deslocações frequentes a restaurantes, estadias em hotéis e viagens". A acusação refere que também comprou perfumes, uma televisão, prendas e pagou facturas de água, luz e electricidade. Uma das despesas diz respeito ao pagamento parcial do trespasse de um restaurante. "Gastou, pelo menos, 20 mil euros como parte do preço do trespasse do estabelecimento comercial O Rei dos Petiscos, situado em Santa Marta do Pinhal, Corroios, que explorou em conjunto com a mulher a partir de Julho de 2016", diz o Ministério Público.

Na altura da busca, e do alegado desvio, Emanuel Briosa tinha problemas financeiros. Desde 2013 que era réu “em processos de execução que vieram a dar origem a penhoras de parte do seu vencimento, tendo a última delas tido início em Maio de 2016", devido a uma dívida de quase 6900 euros. Tinha ainda uma dívida de mais de 14 mil euros a um banco e de 540 euros às Finanças.

No final da primeira sessão do julgamento, o advogado de Briosa, António Andrade de Matos, recusou-se a prestar declarações aos jornalistas. A próxima sessão do julgamento está marcada para 24 deste mês.

A operação Rota do Atlântico, a que este caso está ligado, foi iniciada em 2014 na sequência de informações de polícias estrangeiras sobre vários crimes económicos, focando-se em milhões de euros que os empresários José Veiga e Paulo Santana Lopes, irmão do ex-primeiro-ministro, terão angariado em luvas pagas por empresas que queriam investir no Congo, uma antiga colónia francesa, onde vivem ambos. O dinheiro seria depois dividido com governantes locais.

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