Morreu Ievgueni Ievtuchenko, o poeta de Babi Yar

Conhecido pela sua obra centrada nas atrocidades da guerra e na denúncia do anti-semitismo, o autor russo vivia nos Estados Unidos desde 1991. Esteve em Portugal em 1967 e leu os seus próprios poemas no Capitólio, em Lisboa. Sobre Fátima, que conheceu em ano de visita do Papa, escreveu um poema.

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LUSA/JIM HOLLANDER

O poeta russo Ievgueni Ievtuchenko, nome destacado do período literário pós-estalinista da União Soviética dos anos 1960 e autor de Babi Yar (1961), sobre o massacre de quase 34 mil judeus às mãos dos nazis em Kiev, morreu este sábado de manhã em Tulsa, estado norte-americano de Oklahoma, aos 84 anos, vítima de doença cardíaca. A informação foi avançada pela agência russa TASS, que já tinha noticiado o seu internamento no dia anterior. Estava rodeado de familiares e amigos, garantiu a viúva, Maria Novikova.

Até à publicação deste poema, o massacre de Babi Yar, nome de uma ravina na capital ucraniana, parecia escondido pela cortina de nevoeiro da Guerra Fria, escreve o diário britânico The Guardian. Ievtuchenko, no entanto, sempre rejeitou que a ele se referissem como um texto político: "Não lhe chamo poesia política, chamo-lhe poesia dos direitos humanos - a poesia que defende a consciência humana como o maior dos valores espirituais."

Ievgueni Ievtuchenko explicou em várias entrevistas que tinha escrito Babi Yar em apenas duas horas e profundamente chocado, já que o fez depois de ter visitado o local e de ter descoberto que nada ali havia a assinalar o massacre, que as pessoas pareciam não querer guardar qualquer memória do que acontecera. É por isso que o poema começa por dizer que não há qualquer monumento em Babi Yar e que esse facto deixa o poeta com medo.

Nomeado para o Prémio Nobel da Literatura em 1963, Ievtuchenko foi autor de mais de 150 colectâneas de poesia e o membro mais jovem da União dos Escritores soviética.

A sua obra, denunciadora das atrocidades da guerra, do anti-semitismo que dizia subsistir na então União Soviética e da tirania da ditadura, começou a ganhar notoriedade quando o autor tinha pouco mais de 20 anos e não escondia a sua crítica a Estaline, embora fosse sempre ambígua a sua relação com o regime comunista.

Habituado a atrair multidões a estádios e arenas para o ouvirem dizer a sua poesia - lembra o Guardian que chegou a reunir 200 mil pessoas em 1991, durante uma tentativa falhada de golpe de Estado, mudando-se nesse mesmo ano para os Estados Unidos - Ievgueni Ievtuchenko passou também por Portugal.

"Ele é mais uma estrela de rock do que um poeta sereno", disse a seu respeito Robert Donaldson um antigo presidente da Universidade de Tulsa, onde Ievtuchenko, membro honorário da Academia Americana de Artes e Letras, começou a dar aulas em 1992.

Em Portugal

Em Maio de 1967, quando as autoridades estavam focadas na visita de Paulo VI a Fátima, a fundadora das publicações D. Quixote, a dinamarquesa Snu Abecassis, conseguiu trazer Ievtuchenko a Lisboa, para um recital no Teatro Capitólio, no Parque Mayer. A vinda a Portugal de um poeta soviético em plena ditadura era um acontecimento altamente improvável e que causou grande celeuma, tendo Snu Abecassis sido chamada à PIDE para prestar declarações.

Nesse mesmo ano, os textos lidos na sessão do Capitólio foram publicados pela D. Quixote, numa tradução de J. Seabra Dinis em colaboração com o jornalista e escritor Fernando Assis Pacheco (Ievtuchenko em Lisboa: Poemas de Ievtuchenko recitados pelo próprio no Teatro Capitólio em 17 de Maio de 1967, assim se chamava o volume), mas já no ano anterior a editora lançara a sua Autobiografia Prematura (tradução de António Neves Pedro), insistindo em 1968 com Peomas (de novo pela mão de Seabra Dinis e Assis Pacheco).

Talvez pelo facto de a sua passagem por Portugal ter coincidido com a visita papal, Ievtuchenko terá ainda ido a Fátima, ou pelo menos assim o afirma no primeiro verso do poema Fátima, que Manuel Seabra traduziu e incluiu na sua Antologia da Poesia Soviética, publicada pela editora Futura pouco antes do 25 de Abril, em 1973. “Estive na festa de Fátima. Vendo como se empurravam nas bermas/ cães, burros, jornalistas, embaixadores, turistas,/ e ao longo das estradas, de joelhos ligados,/ em todo o asfalto, de cabeça perdida o povo se arrastava”, escreve na primeira estrofe do poema.

Embora muito popular, Ievgueni Ievtuchenko não estava imune a críticas. Joseph Brodsky, dissidente e poeta no exílio, estava entre as vozes que mais o atacavam, acusando-o de só se manifestar contra aquilo que o regime autorizava que contestasse. Brodsky, aliás, demitiu-se da Academia Americana de Artes e Letras quando esta intituição fez do poeta membro honorário.

"Um poeta na Rússia é mais do que um poeta", disse Natalia Soljenitsina, viúva do escritor Alexandre Soljenitsin, autor do célebre O Arquipélago do Gulag, reagindo à morte de Ievgueni Ievtuchenko. "E ele era realmente mais do que um poeta."

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