Um micro bê-á-bá para Donald Trump

Querer ressuscitar as minas de carvão americanas é provavelmente tão eficaz como voltar a construir zeppelins para dar trabalho a mais pilotos e hospedeiras.

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É pena que ninguém tenha contado a Donald Trump a bonita história dos campos de alfaces e espargos que existiam nos Estados Unidos nos anos 1960 e sobre como desapareceram por causa de uma utopia de John Kennedy.

A certa altura, Kennedy acreditou — como Trump acredita hoje — que os imigrantes mexicanos estavam a roubar postos de trabalho aos norte-americanos e decidiu cancelar o programa bracero, que permitia a entrada de meio milhão de mexicanos por ano para trabalho sazonal na agricultura.

Meio século depois, o Center for Global Development estudou o tema e conclui que o fim do bracero não fez aumentar nem os salários, nem o emprego dos americanos por uma razão simples: os mexicanos foram substituídos por máquinas.

Foi por isso que a produção de alfaces e espargos caiu nos anos 1960. De novo, a razão é prosaica. Como são vegetais muito delicados, têm de ser apanhados por humanos. Não tendo à mão trabalhadores dispostos a receber salários baixos, os empresários poderiam ter aumentado os salários para atrair norte-americanos. Mas em vez disso compraram máquinas e mudaram de sementes. E assim se chegou ao segundo efeito inesperado — mas a esta distância previsível — da decisão de Kennedy de fechar a porta à imigração: cresceu a produção de tomate e algodão.

Nada disto é novo para ninguém a não ser, talvez, para Donald Trump. Hoje, os agricultores norte-americanos continuam, aliás, a mudar de produção sempre que querem reduzir o número de humanos, ou seja, de salários. A Economist contava outro dia que há cada vez menos pêssegos na Califórnia e cada vez mais amendoeiras. Manuel Cunha, provavelmente um emigrante português, explicava a mudança de uma forma quase poética: “Os pêssegos são tão delicados que ficam escuros só de olharmos para eles.” Os pêssegos precisam de humanos. Já as amêndoas, dão-se bem com máquinas.

Donald Trump deu esta semana a primeira machadada na política de Obama para combater o aquecimento global e disse que “o caminho vai ser diferente”. É um alívio que não tenha (ainda?) recuado nos compromissos assumidos por Barack Obama em relação ao Acordo de Paris sobre o clima. Mas em tudo o resto arriscamo-nos a assistir a uma reversão radical das políticas ambientais, desde a poluição dos oceanos à luta contra as alterações climáticas.

As razões de Trump contrariam décadas de investigação e tendências internacionais e não têm nenhuma base sólida. Nem na ciência, nem na política, nem na economia. Trump acredita, por exemplo, que deitar fora o corpo jurídico ambiental construído por Obama vai promover o emprego e reanimar a indústria do carvão. Insiste em ignorar que as energias solar e eólica já são a forma mais barata de produzir energia nos EUA (para não falar no facto de serem mais limpas) e que a Bloomberg prevê que dentro de dez anos vai ser mais barato construir novos parques eólicos a partir do zero do que manter a funcionar as minas de carvão. Trump pode não acreditar na importância de protegermos o planeta, mas sabe que os mercados mandam. Querer ressuscitar as minas de carvão norte-americanas é provavelmente tão eficaz como voltar a construir zeppelins para dar trabalho a mais pilotos e hospedeiras.

Vários especialistas já disseram que não foram acções administrativas que fizeram o sector do carvão entrar em queda, mas a evolução tecnológica e a racionalidade económica da exploração de fontes alternativas de energia. Das duas uma: dizem isso só para contrariar Trump, ou sabem porque é que a Califónia deixou de produzir espargos e alfaces quando eu era pequenina.

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